A vida contemporânea trouxe uma série de benefícios. Por exemplo, pode-se aproveitar as tortuosas e entediantes horas perdidas em filas de banco, lotéricas, lojas ou qualquer outro estabelecimento criado para você se dedicar à leitura. Ou também pode-se desfrutar de seus minutos quase extintos de almoço para ler enquanto degusta a comida aquecida no microondas. Ou, quem sabe, trocar suas cada vez menos horas de sono, cambiadas por trabalho, faculdade, curso, namoro, sexo virtual ou qualquer dessas coisas instintivas do ser humano moderno, por alguns minutos debruçados sobre letrinhas minúsculas de um livro qualquer – e que nessas horas, pode até ser uma obra de autoajuda, pois você não vai conseguir entender duas frases seguidas mesmo.
Assim, após tomar alguns comprimidos de Fluoxetina (antidepressivo), podemos então reconhecer, para todo o sempre dos próximos segundos, que o tempo que se passa no transporte coletivo (leia-se ônibus, metrô, trem, barcos ou animais não-tracionados, nos casos mais extremos) deve ser aproveitado para a leitura.
Vamos desfazer um mito divulgado por aí: ler no ônibus não provoca descolamento de retina – como já dito por uma porrada de gente, tipo G1, Superinteressante, ou um povo de mais confiança como sites de saúde. No máximo, pode provocar tontura ou dor de cabeça, pelo esforço da concentração.
Lamento se você for desses que passam por isso.
Mas se não for (#TodosComemora), você pode desfrutar das dicas abaixo para uma melhor leitura:
1) Antes de entrar no coletivo, tenha o livro em mãos, até para evitar que mais alguém meta a mão em sua bolsa quando você abri-la (provavelmente, a mão alheia não estará interessada no livro, infelizmente).
2) Se houverem assentos vagos (quem sabe você seja um sujeito notívago, quando a caça predatória por assento ainda não começou), tente sentar nos primeiros lugares, onde a) o veículo balança menos (principalmente se a tração é na dianteira, uma informação que, ok, você não é obrigado a saber); b) o pessoal que nunca viu um fone de ouvido na vida (e que geralmente, por motivos que pesquisas não apontam, têm um gosto musical divergente dos leitores) costuma ouvir suas músicas pessoais como se todos os outros passageiros também fossem idiotas.
3) Se não houverem assentos vagos (mais provável, vamos tirar os óculos de Poliana e ser realistas), tente se agarrar a um ferro (nada de pole dance) mantendo seu corpo junto a ele, enlaçando-o como faria com o amor de sua vida (ainda que o ferro possa, ou não, ser desprovido de órgãos sexuais) e ficando assim com as duas mãos livres para segurar o livro. Ufa!
4) Você vai precisar de uma dose de concentração zen. Aliás, um dos princípios zen-budistas é a fixação única na tarefa que se está fazendo (e aqui eu ia contar um koan, daqueles que começa com um monge careca, mas deixa pra lá). Digamos que as conversas alheias atrapalhem sua leitura, você pode levar alguma trilha sonora, ou instrumental, ou qualquer sequência de sons desse tipo, para ouvir com os devidos fones enquanto lê. Os leitores mais hardcores levam música com vocal mesmo, e conseguem ignorar o que ouvem e se concentrar só na leitura. Basta prática.
5) Última, e mais importante dica: se alguém perguntar se você está estudando, ou qualquer conversinha mole só para puxar assunto e atrapalhar sua leitura, responda: “sim, estou estudando rituais de magia negra que incluem mandalas feitas de sangue de bode”. Depois continue lendo normalmente. Funciona, acredite.
Aqui você deveria ler uma conclusão estimulante, em um tom velado de autoajuda, instigando você a ler com fúria no ônibus/metrô. Mas em lugar disso, você precisa lembrar que o que aprendemos de mais importante nesta crônica (se é que aprendemos alguma coisa) é que a vida contemporânea está fundamentada no princípio de possibilitar oportunidades de leitura para você. Ficou claro?