Direto do front: os relatos de Rubem Braga e Joel Silveira

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Sobre a cobertura da Segunda Guerra realizada pelos brasileiros Rubem Braga e Joel Silveira

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Soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial

 

Setenta anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Em 8 de maio de 1945, a Alemanha nazista se rendia aos Aliados, terminando assim o conflito no Velho Continente. A guerra continuou no Pacífico e na Ásia até que em agosto os americanos – sempre os ianques! –, cansados de sujar as mãos, lançaram bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, dizimando milhares de vida em segundos. Os japoneses se renderam e o Tio Sam mostrou quem daria as cartas no novo mundo “livre”.

Getúlio hesitou bastante em entrar no conflito. Vargas tinha certa afeição por Adolph Hitler e Benito Mussolini – e o Brasil tinha relações comerciais com a Alemanha e a Itália, e também com os americanos. O ditador tupiniquim tentou ficar neutro, mas os chucrutes afundaram navios brasileiros – há quem diga que foram os ianques (sempre eles!) para forçar o Brasil a ir à guerra. Então, em 1944, 25.334 pracinhas desembarcaram na Itália, pensando que iriam lutar no norte da África.

Como todo ditador, Getúlio não queria a imprensa por perto. Mas, no fim das contas, teve que permitir o embarque dos correspondestes juntos com a tropa brasileira. E lá foram Rubem Braga (Diário Carioca), Thassilo Augusto Campos Mitke (Agência Nacional), Raul Brandão (Correio da Manhã), Joel Silveira (Diários Associados) e Egydio Squeff (O Globo), além dos correspondentes estrangeiros como Frank Noral (Assuntos inter-Americanos) e Henry Baggley (Associated Press).

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Crônicas da guerra na Itália, de Rubem Fonseca (Record, 2014)

Sem desmerecer o talento e empenho do plantel dos nossos correspondentes de guerra, que arriscavam a vida em nome do dever, contavam aos pracinhas notícias da pátria amada, mandavam recados de seus familiares e entes queridos e vice-versa, dentre eles há dois sujeitos que merecem destaque: um é o maior cronista do mundo, o sempre genial, Rubem Braga; o outro, o maior repórter que já bateu matéria em nossa imprensa, conhecido pelo epíteto de “a víbora”, o também sempre genial, Joel Silveira.

Os relatos produzidos direto do front por Rubem Braga e Joel Silveira estão eternizados nas coletâneas Crônicas da guerra na Itália (Record) e O Inverno da Guerra (Objetiva), respectivamente. Nelas se conhece detalhes do teatro de operações e o dia a dia dos soldados brasileiros e civis italianos durante o conflito. Há momentos de tensão, medo e horror; outros de solidariedade e de heroísmo. Braga e Silveira, com seus textos mais do que perfeitos, ampliam a nossa compreensão sobre o absurdo da guerra e a natureza humana.

Do Braga, um trecho de uma crônica intitulada A Menina Silvana, sobre uma garota de 10 anos atingida por estilhaços de uma bomba:

Pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (sem importância nenhuma no oceano de crueldades e injustiças), pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (mas ó hienas, ó porcos, de voracidade monstruosa, e vós também, águias pançudas e urubus, ó altos poderosos de conversa fria ou voz frenética, que coisa mais sagrada sois ou conheceis que essa quieta menina camponesa?), pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (ó negociantes que roubais na carne, quanto valem esses pedaços estraçalhados?) – por esse pequeno ser simples, essa pequena coisa chamada uma pessoa humana, é preciso acabar com isso, é preciso acabar para sempre, de uma vez por todas.

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O inverno da guerra, de Joel Silveira (Objetiva, 2005)

Do Joel, a conclusão da reportagem Correspondente de Guerra, o guerreiro desarmado:

Por isso é que naqueles dias, véspera de voltar para a casa, eu sentia que não fora apenas a guerra que havia acabado, mas também uma boa parte do que eu era antes de chegar à Itália. Por isso é que costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40 anos, embora lá só ficasse nove meses e 14 dias. Ao contrário do poeta, não foi exatamente por delicadeza que naqueles nove meses e pouco perdi uma parte da minha mocidade, ou o que restava dela. A guerra, como já disse, é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais devolve.

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