Numa versão atual dos contos de fadas, Cinderela é posta em situações cotidianas e com questões atuais como a sexualidade queer.
Conto de fadas clássico é coisa do passado, a moda agora é revolucionar. Temos nos cinemas os exemplos mais conhecidos disso, como Shrek, Malévola, Frozen ou Branca de Neve e o caçador. A impressão que temos é que, cada vez mais, querem brincar com aquela história que conhecemos desde pequenos, querem buscar lá atrás aquilo que nos cativou e trazer para a “nova geração”. É o que Hollywood tem obviamente feito, mas não só. A literatura, principalmente a literatura jovem, young adult, também vem buscando o mesmo tipo de público, procurando nos contos de fadas uma velha nova fonte de inspiração. Por meio do maravilhoso projeto We Need Diverse Books, eu dei de cara com um fruto excelente dessa procura: Ash, romance de Malinda Lo lançado em 2009, que nos apresenta, entre outros conceitos, uma Cinderela queer.
O termo “queer” é usado aqui como alternativa a qualquer rótulo de gênero ou sexualidade, um termo guarda-chuva para pessoas que não se identificam como hétero ou bissexuais. Uso esse termo porque a sexualidade da Cinderela de Lo não fica clara para o leitor, o que, em histórias voltadas para o público LGBT, é uma novidade. Não há um arco de descoberta, sua sexualidade não é posta em dúvida e nem tratada como tabu. Pelo contrário, no mundo apresentado pela autora, quem você ama não faz diferença — sua Cinderela tem problemas mais sérios com os quais lidar.
A Cinderela clássica, é claro, dispensa apresentações. A história já foi contada e adaptada diversas vezes, serviu de inspiração para uma infinidade de obras — em 2015, a própria Disney nos dará uma nova adaptação, que ainda precisa mostrar a que veio. Se me permitem uma opinião, porém, é em Ash que temos a versão mais atual, necessária e diferente do nosso “mais do mesmo”.
Na história, Ash é a Cinderela da vez, criada em um vilarejo antiquado, ainda um tanto supersticioso e apegado aos costumes antigos de seu país. Sua mãe era particularmente ligada a esses costumes, e foi com ela que Ash adquiriu o gosto por contos de fadas, que, em seu mundo, dizem ser baseados em histórias reais de encontros reais entre humanos e fadas. Com a morte da mãe, o pai da protagonista se casa com uma mulher séria, indiferente, mãe de duas outras filhas e com hábitos de cidade grande. Morrendo o pai, Ash é levada para longe do vilarejo, onde sua madrasta a informa que, como seu pai deixou para trás muitas dívidas, a garota terá de trabalhar para compensar todo o dinheiro gasto. Ash briga, discute, tenta fugir, mas não consegue. Seus consolos são o livro de contos de fadas deixado pelo pai, os passeios pela floresta ao lado de uma fada e Kaisa, a nobre líder da caçada do rei.
Vejam que não mencionei o príncipe, que existe, mas não é tão importante assim. Os interesses românticos de Ash acabam sendo Sidhean (o “fada madrinha”) e Kaisa, mas o que é bastante interessante é que isso não resulta em um triângulo amoroso. O interesse de Ash pelos dois se dá de formas diferentes, em momentos diferentes. Há uma escolha, mas não é aquela coisa de “quem eu amo mais? Estou dividida” que estamos acostumados a ver. O clichê dos mocinhos brigando pela mocinha é apresentado do avesso. Ash é jovem, mas também é decidida, ela vai atrás e batalha pelo que quer — ela consegue.
Talvez o que mais me surpreendeu em Ash foi a escrita. Malinda Lo se apresenta com uma linguagem bastante simples, fornecendo uma leitura fluida que, de certa forma, remeteu-me à natureza oral dos contos de fadas, fáceis de lembrar, de contar e de ler. O livro ainda não foi traduzido para o português, mas, para aqueles que querem começar a se aventurar nos livros em inglês, mas ainda não se decidiram por onde fazer isso, fica aqui uma boa sugestão que não deve apresentar maiores complicações. A sugestão fica também para editoras que estão procurando por algo diferente dentro de um tema conhecido, e para todo mundo que se interesse pela temática apresentada.