Por que ler Cada amanhecer me dá um soco, de Andrei Ribas
Com controle da forma e enredo bem amarrado, o autor entrega um livro resultado do trabalho apurado e íntimo com a escrita.
A principal razão para ter pedido a atribuição de resenhar o livro é por ter, de imediato, me conectado ao autor: “O outro”, poema de Drummond cujo verso esta no título, já mostrava uma afinidade e trabalho de resenhista nem sempre é facil e agradável. Partir do pressuposto de que haveria alguma tangência entre nós já dava a Andrei Ribas, jovem autor dos livros O monstro (All Print, 2007) e Animais loucos, suspeitos ou lascivos (Multifoco,2013), breve margem de vantagem – mas não vista grossa a eventuais problemas de narrativa.
A sinopse do livro pode levar o leitor ingênuo a pressupor se tratar daquela velha história do gênero policial reciclada e recauchutada para atender a algumas exigências do mundo contemporâneo. No entanto, com um domínio impecável de técnica e demonstrando absoluto controle narrativo, Ribas entrega um conteúdo surpreendente, envolvente. que provoca e instiga o leitor.
Isto é, quando o ponto de partida é um parricídio, algo que nem os mais céticos seres do século XXI dão conta de lidar sem sobressaltos, o que vem adiante é uma ânsia contínua por respostas, explicações e justificativas que acalmem toda a ansiedade provocada por um soco bem dado (perdão pelo trocadilho). Neste sentido, a escolha do título é feliz mais uma vez, pois, após ler, e mesmo durante a leitura, é possível entender e sentir que a continuidade das situações atrozes vividas e descritas no livro nos mostra que, para muitas existências, o raiar de um novo dia só traz angústia, tensão e desesperança. Outro trunfo da obra é esta capacidade de provocar empatia, mesmo quando queremos fugir da violência física e simbólica que cerca o enredo central.
Os personagens são outro ponto forte do livro. Verossímeis, parecem materializar-se diante do leitor, que o reconhece e, quiçá, pode se reconhecer ali também. Destaque para o legista que, para mim, sempre foi a última profissão almejada – e, inclusive, quando criança, pensava que ser legista era um tipo de castigo que alguém tinha recebido – afinal, que tipo de pessoa teria prazer em ficar com os mortos, chafurdando em sobras? Foi a esta pergunta que o livro me empurrou de volta. A possibilidade de adentrar universos tão distantes e repugnantes e compreendê-los trata-se do resultado do grande esforço estrutural e de planejamento realizados por Andrei Ribas.
Em resumo, por mais irônica que esta frase soe ao ser lida continuamente, Cada amanhecer me dá um soco é um presente. Triunfo da forma e do controle estético e autoral de um escritor promissor.