E por que não ler a nossa?

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Os leitores brasileiros que leem a literatura de fora sem ao menos ter conhecimento da nossa.

Uma coisa que sempre me instigou e que cada vez mais tem me instigado é o fascínio da grande massa de leitores brasileiros pela literatura estrangeira que, na maioria das vezes, sempre se encontra na lista dos livros mais vendidos no país. E não falo de três ou cinco títulos, porém de quase uma lista inteira. Em torno de 95% por cento. E eu não minto. É só ir conferir.

Nos 5% que nos sobram de títulos nacionais, encontram-se na sua grande maioria os dito cujos livros de autoajuda ou de entretenimento, geralmente assinados por padres, pastores, espíritas, celebridades ou empresários do mundo dos negócios ou do show biz, que, na maioria das vezes, contratam serviços de ghost writers para escreverem os seus próprios livros (que nem próprios deles são de verdade, no sentido autoral da coisa).

Para quem não sabe ghost writers designa-se a profissionais da escrita contratados para organizarem as ideias dos outros no papel. É bom ressaltar que esses tais “escritores fantasmas” sempre existiram, e não é de anormalidade alguma dentro do mercado editorial. Simplesmente esses camaradas (também escritores) ganham a vida escrevendo livros para os outros — sobretudo, de autores que não são escritores.

Sabemos que além da baixa escolaridade brasileira, vergonhosamente em penúltimo lugar no ranking mundial da educação, e da literatura nunca ter sido um hábito tradicionalmente cultivado no país, paradoxalmente, o mercado editorial brasileiro vem expandindo-se, e a venda de livros também. Mas o que a massa que fomenta lucros ao mercado editorial brasileiro tem consumido? Literatura estrangeira, brasileira ou de autoajuda? Eu diria que os três, com a diferença de que há algum tempo o Brasil vem cultuando cada vez mais a literatura estrangeira somada à relacionada, sobretudo, de entretenimento e/ou de fantasia; as famosas trilogias ilustradas por realidades paralelas que se dissipam, na verdade, da nossa. Mundos imaginários habitados por monstros, vampiros, gladiadores, bruxas, duendes, zumbis e seres das mais diversas amplitudes. Ou mesmo por temas medíocres, pueris e supérfluos, ou carregados por algum tipo de ascensão ao gênero autoajuda como pelo sensacionalismo, ou quando simplesmente evidencia-se na capa um estrangeirismo sedutor, e frisando bem ali acima ou abaixo do título: “fenômeno de vendas”. O que já desperta o interesse de alguns por aquela leitura. Livros, na maioria das vezes, sejamos honestos, ausentes de proposta alguma, relacionada ao exercício da reflexão e ampliação do conhecimento, senão ao mero serviço do que o próprio gênero se auto define e, é claro, de, possivelmente, os de ficção vir a ser adaptados ao cinema ou na TV, em grandes ou médias produções norte-americanas.

Mas o que eu quero salientar é sobre literatura. Literatura no sentido mais sumário, mais essencial e etimológico que cerne a palavra. Até porque já se houve um tempo em que esta mesma dita cuja grande arte detinha-se de um papel extremamente importante na história da humanidade influenciando a cultura, a política, a psicologia, o comportamento, a contracultura, as individualidades de cada um e as outras demais artes. O que aconteceu com essa literatura? Diluiu-se? Execrou-se? Não, ela ainda existe e mantem-se de pé, abastecida por verdadeiros escritores, seja para fins estéticos que enriquecerão a arte ou como forma de fazer com que nós entendamos o mundo a nossa volta ou a nós mesmos. Mas o grande problema especificadamente em nosso país, relacionado a ela, está na precariedade da educação, e no culto pelo “estrangeirismo pop” da massa — termo que criei para este nicho de literatura que vende, vende e vende muito, e feito água (e que tanto me remete aos estudos de sociologia da comunicação, na faculdade, ao falar sobre a indústria cultural).

Best Sellers avançando das livrarias para os rmercados
Best Sellers avançando das livrarias para os rmercados

Os olhos de fora voltados para a literatura nacional

Não tenho nada contra ao culto dos jovens e também dos adultos pelos best sellers. Porém, mais bacana ainda seria tentar diversificar um pouco tais escolhas, buscando novos autores, novos gêneros e, sobretudo, conhecer melhor a nossa literatura brasileira (que é a base desta nossa conversa), que não se restringe apenas ao nosso grande Machado de Assis e a leva dos grandes clássicos que, na maioria das vezes, são impostos nas escolas e nos vestibulares. E que, particularmente, não acho que esta imposição sirva para cativar aos estudantes o hábito da leitura. Na verdade, só os desestimulam e os afastam de nossos autores. Mas essa já é outra história.

O que eu quero tentar argumentar aqui é a falta de conhecimento que os brasileiros têm sobre a nossa literatura, tão rica, plural e criativa, substancialmente significativa em nossa cultura, e que vem ganhando, nos últimos anos, novos patamares, expandindo suas fronteiras pelo mundo. É notório que cada vez mais títulos nacionais estejam sendo exportados em outros territórios, sobretudo na Europa. E de autores jovens, contemporâneos. O que eu acho ótimo.

Revista Granta, os melhores jovens escritores brasileiros
Revista Granta, os melhores jovens escritores brasileiros

Só o fato da Granta, uma das revistas inglesas mais importantes da literatura, ter se prestado em nos homenagear com uma edição especialmente dedicada aos nossos autores de idade abaixo dos quarenta anos, no ano de 2012, já mostra o quanto a nossa literatura tem ganhado força e respeitabilidade em solos estrangeiros. A Feira de Frankfurt, por exemplo, terá como tema deste ano a literatura brasileira. E a nossa cara escritora brasileira Patrícia Melo estará recebendo um prêmio, no mesmo evento em outubro, pelo seu último romance Ladrão de cadáveres, sucesso absoluto entre os críticos e leitores alemães.

Somos dotados por uma lista enorme de grandes escritores nacionais, e que cada vez mais vem se universalizando pelo mundo, honrando e fazendo jus as nossas letras, afinal criatividade e talento não nos faltam. Acho que o brasileiro que ainda não descobriu a prosa de Rubem Fonseca ou de Raduan Nassar, por exemplo, dois de nossos grandes mestres contemporâneos, está perdendo uma boa oportunidade de se orgulhar dos escritores que temos. Mas a lista é grande e envolve muita gente, e muita gente nova e talentosa, que não me cabe aqui citar, até porque seria desonesto de minha parte mencionar um e descartar outro de mesma equivalência.

O fenômeno Clarice e Caio na rede

Uma coisa que, particularmente, acho engraçado é que hoje muitas pessoas citam Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu como se, de fato, fossem seus leitores de verdade, sem nunca terem lido uma página de seus livros, como Perto do coração selvagem, um dos livros mais importantes da segunda fase do modernismo brasileiro, ou A paixão segundo G.H., outro livro significativo da escritora; ou mesmo os grandes clássicos de Caio como: Morangos mofados e Triângulo das águas. Já que os célebres escritores caíram no conhecimento do grande público da web através de recortes ou trechos dispersos, nem sempre de natureza verossímil, de suas obras, compartilhados de forma estupidamente medíocre nas redes sociais, e que erroneamente acabam por inseri-los na mesma prateleira dos de autoajuda.

Ao menos a curiosidade por Clarice Lispector aumentou, não por conta do fenômeno facebookiano do compartilha aqui e ali, mas por um americano (chamado Benjamin Moser) ter se proposto a estudar meticulosamente a vida e obra da escritora e lançar um livro que, me desculpem a sinceridade, é de se fazer constranger todos nós brasileiros. Constrangimento tal tanto pela nossa ignorância cultural e literária.

Foi preciso alguém de fora para creditar nossa literatura, e popularizar uma escritora que, até a poucos anos, era lembrada e cultuada apenas por críticos e estudantes de letras e por uma pequena parcela de amantes e conhecedores da nobre literatura brasileira. E Clarice é apenas um exemplo dos milhares de grandes nomes, que por mais importantes que sejam em nossas letras, são quase anônimos em nosso país.

Clarice Lispector
Clarice Lispector

Faça você mesmo uma pesquisa nas ruas, e pergunte a um grupo de pessoas: quais autores que elas conhecem ou os livros que elas têm lido? Evidentemente, entrarão o estrangeirismo (e eu digo dos best sellers). Peça para essas mesmas pessoas citarem seis escritores brasileiros que eles conhecem, tirando os clássicos, daqueles escolares. Ah, sim, deverão citar Jô Soares, Chico Buarque ou Martha Medeiros, e o nosso grande fenômeno, é claro! que de nosso não tem nada, Paulo Coelho. Ou talvez até mencionarem Padre Marcelo Rossi ou Bruna Surfistinha (eu juro que não estou de deboche). Ou simplesmente darem um breve sorriso amarelo sem resposta ou o famoso: “bem aquele, aquele escritor, que esqueci o nome”.

Embora, um feito quase utópico tenha ocorrido nos últimos meses, com o lançamento do livro Toda Poesia, do escritor e poeta Paulo Leminski, que foi o assunto da vez no meio literário, não apenas por ter sido um dos lançamentos mais aguardados da literatura, por se tratar “da antologia completa de poemas do poeta”, mas principalmente pelo mesmo ter conseguido a faceta de ter atingido a lista dos livros mais vendidos do país, desbancando os não sei quantos tons de não sei o quê, de cinza ou liberdade ou sei lá do quê. Deu gosto de ver. Parecia até sonho. Principalmente levando-se em consideração que a poesia é um gênero difícil de vender no Brasil. Salve, Leminski!

Não tenho nada contra aos autores estrangeiros, pelo contrário, tenho um enorme respeito e total consciência de que “os grandes mestres” são originários de outros países, e que, inclusive, influenciaram nossos grandes mestres brasileiros, tais como: Goethe, Balzac, Flaubert, Tólstoi, Gogol, Poe, Kakfa, Hemingway, Joyce, Nabokov, Borges, Cortázar, Llosa, Saramago entre tantos outros. Porém, o empobrecedor nisso tudo é que dos autores estrangeiros citados a grande maioria dos leitores brasileiros que consomem a literatura best seller estrangeira não os conhecem nem os leem, de fato. Como explica isso?

Seria tão bom se todos ou a grande maioria tivessem o conhecimento da obra de Dostoiévski, por exemplo, um autor estrangeiro de procedência russa. E que embora apresente temas considerados extremamente caros e pungentes na literatura ao suscitar sobre a condição humana no seu caráter mais intrínseco e filosófico que alimentam o seu gênero, suas narrativas são extremamente deliciosas e fáceis de ser digeridas, e de um senso de humor irônico e divertidíssimo, unindo o prazer à erudição.

Escritor russo Fiódor Dostoiévski
Escritor russo Fiódor Dostoiévski

Indústria cultural: a réplica de uma arte estupidamente medíocre e excepcionalmente lucrativa

Da mesma forma que nem toda música que ouvimos, por mais que exista melodia, canto, produção e instrumentos envolvidos, é, essencialmente, música, e sim um produto sonoro com finalidade unicamente comercial de gerar lucros e mais lucros. Nem todo livro, de fato, é literatura. E se a população conseguir diferenciar uma coisa da outra, já é um ganho feito a ela própria.

Não que a verdadeira arte não possa vender nem que seja pecado tal vender muito. Pelo contrário, a arte não só precisa como necessita ser consumida e impulsionada pelo público. Mas falo que a preocupação maior nesse mercado específico (dos best sellers só pra frisar) é estritamente nas vendas e, sobretudo, nos lucros que o produto, neste caso, o livro, irá gerar. E os editores sabem que obterão. Porque existe um marketing envolvido por trás do lançamento de um determinado livro, e todos os artifícios que a indústria cultural se propõe a fazer para que efetivamente os resultados aconteçam, e o público seja levado à inocência hipnótica do consumo.

A ideia do “modismo do momento” mexe com o psicológico das pessoas, porque cria nelas a necessidade de estar inseridas na “bola da vez”. Afinal é o que está sendo vinculado o tempo todo nos jornais e nas mídias, e o que está sendo consumido no momento por “todo mundo” (o que é mentira), sobretudo, pelos seus amigos e conhecidos. Você vai ficar de fora? Acho que não, né? A isso chamamos de Indústria cultural, termo designado, lá na década de 40, por Adorno e Horkheimer, sociólogos da Escola de Frankfurt, e referido aos estudos dos fenômenos midiáticos estimulados pelo sistema capitalista.

Quanto à qualidade, na maioria das vezes, fica em segundo plano. Na indústria cultural é basicamente assim: se não vende, não presta, entendem? Quanto à arte de nada ganha. E infelizmente, muitos editores veem a literatura desta forma, e editores que pertencem a grandes casas editoriais do país. Fechando as portas, muitas vezes, a grandes talentos, simplesmente por suas obras serem “literárias demais”. O famoso: “seu livro é bom, mas ele não vende”. Mas não vende por quê? Aí entra o x vergonhoso e factual da questão: pela falta de conhecimento da massa. Então para oferecer a esse público literatura, injetaremos o que ela irá compreender e, por isso, consumir: o supérfluo, o artificial, o lixo.

Max Horkheimer e Theodor Adorno, críticos da indústria cultural
Max Horkheimer e Theodor Adorno, críticos da indústria cultural

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