Ecos em Alice no país das Maravilhas, Pinóquio e Peter Pan

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J.M. Barrie brincando com uma criança

Lewis Carroll, Carlo Collodi e J. M. Barrie: três homens, três escritores eternamente famosos por seus livros infantis e nenhum deles tiveram filhos. Porém, não é na vida, em si, que eles são semelhantes.  É na gênese de seus livros Alice no país das maravilhas, Peter Pan e As venturas de Pinóquio que há algumas semelhanças.

Resumidamente, podemos dizer que  Alice no país das maravilhas, de Carroll,  conta história de uma menina que cai na toca de um coelho que tem muita pressa, e encontra um gato sorridente, uma falsa tartaruga, uma duquesa pavorosa, um chapeleiro maluco e uma rainha sanguinária.  E, nesse percurso, ela muda de tamanho várias vezes.

Pinóquio, de Collodi, por sua vez, narra a história de  uma marionete que foge de casa e encontra um grilo falante, um dono de circo semelhante a  um ogro, um gato e raposa meliantes, uma fada com cabelos azuis,  uma grande cobra, um voraz tubarão. Seu nariz cresce em todas as vezes que conta uma mentira. Ao longo da narrativa,  o boneco é transformado em burro, volta a ser marionete e acabar tornando-se um menino – o que sempre fora seu sonho.

Em contraponto, Peter Pan, de  Barrie, é  história de um garoto que fugiu de casa logo ao nascer, que sonha em não crescer e vive numa ilha de fantasia, chamada Terra do nunca, onde leva sua amiga Wendy e seus irmãos. Lá enfrentam piratas, índios, feras e sereias, juntamente com os Meninos perdidos.

Estamos falando de três narrativas de aventura,  elas todas prendem seus leitores do início ao fim, faz com eles estejam presos à decorrência dos acontecimentos.  No entanto, também não é essa a semelhança central entre elas, mas, sim, o fato de que os livros, em suas mais profundas linhas, falam sobre o crescimento. De qual forma? Vejamos.

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Alice (filme)

Alice se pergunta “Será que eu nunca vou ficar mais velha do que sou agora?”, em seguida pensa consigo mesma que “Não deixa de ser um consolo… nunca ficar velha… mas por outro lado… sempre ter lições para estudar! Oh! Eu não ia gostar disso!”. A menina muda de tamanho 12 vezes ao longo da narrativa, e, em diversos momentos, pergunta-se qual é realmente seu tamanho – como qualquer criança em fase de crescimento, ela perde a noção de suas medidas.  Podemos dizer que  ela nunca gostaria de não envelhecer, pois sempre fora uma garota não adepta a quebrar regras, como a regra natural do crescimento.

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Peter Pan (filme)

Em contrapartida, Peter Pan não suporta a ideia de ter de crescer, tornar-se adulto.  Ele fugiu de sua casa no dia em que nasceu, logo depois de ouvir os pais conversando a respeito do futuro, sobre o que ele seria quando crescesse. Diz para Wendy, com demasiada paixão: “Eu não quero crescer nunca”, “[…] quero ficar pra sempre criança e me divertir muito”.  O garoto fugiu de casa e foi morar com as fadas, na Terra do Nunca, onde busca a imortalidade da infância. No entanto, foi embora pensando que a mãe sempre deixaria a janela de seu quarto aberta  – para quando ele quisesse retornar. Depois de muito tempo, voltou. Encontrou outro menino em sua cama e a janela do quarto estava fechada e com grades, pensou que sua mãe tinha-o esquecido  totalmente.  A narrativa de Peter é mais dolorosa que a de Alice, pois ele não avança no plano da infância como a menina, não tinha a proteção, conforto e afeto da família. Ao encontrar a janela fechada, com grades, o menino se vê impedido de voltar ao espaço de segurança e cortou seus vínculos com o afeto.

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Pinóquio (filme)

Ao contrário de Peter Pan, o desejo de Pinóquio não é ser eternamente criança. Embora seja uma marionete, Pinóquio não deixa de ter certo vínculo com a questão do crescimento. Disse ele a uma fada: “[…] eu também queria crescer um pouco”. Em seguida: “A senhora não está vendo? Fiquei sempre baixinho.”  E, de maneira tanto cruel, a fada comunicá-lo que não poderia crescer, ele pergunta o motivo e recebe tem contato com a dolorosa realidade “Porque as marionetes nunca crescem”. No entanto, o que impulsiona a marionete a crescer são seus sentimentos, o que o direciona à humanização.  Dentro de si carrega a solidão, o medo e desejos, dentre ele o crescimento e a tentação pela desobediência.  E desejar faz com que Pinóquio alcance o tão sonhado crescimento.

O crescimento é sinônimo de modificação em todas as obras. No entanto, nenhum  personagem vê o crescimento sob uma  mesma ótica. Essa modificação é processada de maneira diversificada nos romances. Alice sofre com o crescimento em seus sonhos, porém sai da sua viagem da maneira como entrou, era apenas um sonho. Ao abrir as pálpebras, a vida é retomada. Há um ponto importante nessa lógica do crescimento, Carroll gostava de meninas,  somente de meninas. Ao crescer as meninas se tornam mulheres. O autor sempre fora amigo de meninas, teve um grande vínculo de amizade com crianças do sexo feminino durante toda a sua vida.

Peter Pan não quer o crescimento e vai para a Terra do Nunca, onde poderia sempre ser criança. Para tal, Barrie, o autor, usa de uma ferramenta, que é o apagamento de memória e exclusão de lembranças. Desse modo, Peter apaga constantemente suas recordações e não absorve uma memória acumulativa, o que é fruto da experiência de vida, portanto, incompatível com sua idade.

Pinóquio passa a crescer desde as páginas iniciais do livro, pois a cada pedaço de madeira, o marceneiro faz com que ele cresça. Aos poucos o boneco cresce,  ganha vida, ganha voz e adverte: “Não  me bata com muita força” – isso ainda sem feições. Trata-se de um romance de formação. Já menino, Pinóquio olha seu antigo corpo de madeira, sem vida e largado em uma cadeira e diz “como eu era engraçado quando era uma marionete! e como estou contente, agora, de ter me tornado um bom menino!”, mas é importante ressaltar a duplicidade do personagem, que por um lado buscou a tranquilidade e segurança de um emprego público, enquanto, de outro lado, arriscava-se em guerras, na sátira e no jogo.  Entre o crescimento de Pinóquio, entrecruzam-se duas linhas: o da dependência e da submissão.

É evidente que a infância foi um tema que tocou fortemente os três autores. É importante destacar que, em relação a vida pessoal, as únicas relações femininas de Carroll eram com menininhas; Collodi, inseguro, nunca se distanciou da mãe; e Barrie sempre teve imaginação infantil e recusava a realidade.

 

Referências bibliográficas

BARRIE, J. M. Peter Pan. Edição Definitiva, Comentada e Ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.

COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. [Ensaios] Rio de Janeiro:  Record, 2004.

COLLODI, Carlo. As aventuras de Pinóquio. Tradução e ilustrações de Gabriela Rinaldi. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.

CARROLL, Lewis. Alice: Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2010.

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