A frequente briga “editora versus autor” é desconexa e sem vencedor, não devemos alimentá-la.
Após a divulgação dos textos sobre jabá e pistolão, que publiquei aqui, no Homo Literatus, recebi uma série de mensagens e e-mails bem bacanas, concordando e discordando de minhas colocações, e apresentando outros pontos de vista muito interessantes – aproveito, inclusive, para agradecer a todos por colaborarem neste debate. Valeu.
Mas um destes comentários, em especial, me chamou a atenção, e dizia assim:
(…) Até achei que a Jana passou a pisar mais o chão em que eu também piso, já que num outro texto que li, meses atrás, ela puxava o saco das editoras, dizendo que os autores que reclamavam eram meros chorões. Aliás, chega a ser até paradoxal essa verve black bloc agora. Mas esse e o anterior, sobre o jabá, são os mais realistas e os que mais gostei. Me identifiquei muito, Jana. Obrigado!
Uma mensagem educada, como deve ser, e pela qual eu agradeço, mas que possui um detalhe que me intrigou, e me inspirou a escrever este texto: a rixa que costuma existir entre editoras e autores – e aqui falo especificamente de editoras pequenas e novos autores.
Os apontamentos do leitor sugerem que há dois lados distintos e antagônicos nesta questão: as editoras e os escritores, e é preciso escolher quem você irá defender. Porém, posso garantir ao autor do comentário que, ao contrário do que disse em sua mensagem, eu e ele (e todos os novos autores e pequenas editoras, sem QI, sem pistolão, sem jabá, sem grana, sem eira e nem beira), pisamos o mesmo chão, desde sempre.
Falo por que sou escritora, acima de tudo, mas sou editora também. Conheço as agruras pelas quais passa o novo autor, porque sou um deles, mas também sei das dificuldades enfrentadas pelas editoras pequenas, porque sou uma delas.
Os autores reclamam de suas editoras, e as editoras reclamam de seus autores. O motivo é basicamente um: a falta de profissionalismo. Um acusa o outro de não possuir seriedade e nem envolvimento em seu trabalho. Ambos estão certos.
A verdade é que, nesta história, não são somente os novos autores que são novos. Os editores e as editoras também são novos editores e novas editoras. O mercado editorial brasileiro independente e sob demanda – através dos quais a maioria dos novos autores lança suas obras – ainda engatinha, e precisa crescer, se fortalecer e se profissionalizar muito, antes de chegar a um patamar minimamente razoável. E quando falo em mercado editorial, incluo aqui editoras & autores. Não podemos dissociar estes dois personagens, já que o trabalho de um está diretamente refletido no trabalho do outro.
Por isso decidi escrever sobre mercado e literatura neste portal. Queria falar abertamente, e sem rodeios, sobre o que eu vejo e vivo, seja como autora, seja como editora. E por mais pretensioso que isso possa soar, minha intenção é justamente provocar um debate, e até mesmo uma reflexão, sobre o nosso papel neste mercado editorial ainda jovem, mas já tão complexo.
Temos todos muito que aprender e melhorar, antes de apontar o dedo para o outro, fazendo mil acusações.
Pois, quanto mais o autor compreender o funcionamento do mercado no qual pretende se inserir, e quanto mais as editoras valorizarem e profissionalizarem seu trabalho, melhor para todo mundo.
Ademais, eu fico pensando: se o objetivo de toda editora séria, por menor que seja, é publicar e vender livros de qualidade, e se o objetivo de todo autor sério, por mais desconhecido que seja, também é publicar e vender seu livro com qualidade, eu pergunto: que raios está acontecendo aqui?
Ok. Existem editoras que não são sérias. E muitas. Mas elas refletem o amadorismo e a falta de seriedade do próprio novo autor.
Recebo diariamente e-mails de jovens escritores, alguns mais realistas, outros mais sonhadores, e posso garantir que os anseios da generosa maioria é publicar seu livro por uma grande editora, conquistar leitores mundo afora, ser reconhecido nas ruas, ganhar prêmios, talvez ir ao Programa do Jô e, por que não, ter sua obra adaptada para o cinema.
Não critico. Grande parte destes desejos, por mais ingênuos e absurdos que pareçam para quem já vive a realidade do mercado editorial, são naturais para quem está começando, e não tem a menor ideia para onde vai.
Então o novo autor cai de paraquedas em um mercado que ele absolutamente não conhece, e sobre ovos vai caminhando até a tão sonhada publicação de seu livro – que muitas vezes se transforma em pesadelo.
Porque, quanto mais cru o novo autor entra no mercado editorial, mais fácil de sucumbir a uma armadilha literária. E enquanto editoras de caráter duvidoso continuarem encontrando autores desinformados e deslumbrados para preencherem seus catálogos, prosseguiremos com nosso mercado nivelado por baixo.
Por isso repetirei até o fim: novos autores e pequenas editoras precisam se unir, mas precisam antes de tudo se profissionalizar. A maior parte dos autores que acusam suas editoras de descompromissadas e amadoras são, igualmente, descompromissados e amadores, gerando assim um círculo vicioso que compromete gravemente a qualidade do trabalho desenvolvido pelo mercado editorial independente e sob demanda – do qual autores e editoras fazem parte.
Ou seja: trata-se de uma briga estúpida, sem vencedores, onde não fazemos mais nada além de atirar em nossos próprios pés.
Sem as pequenas editoras, milhares de novos autores estariam com seus originais engavetados, sem deslumbrarem a mais remota possibilidade de um dia verem sua obra publicada – e nem de novos autores poderiam ser chamados. Porque o pistolão e o jabá, dos quais já falei anteriormente, existem desde que o mundo é mundo, e sem as pequenas editoras somente ‘originais com referência’ seriam lançados.
Em contrapartida, sem os novos autores, pessoas como eu jamais poderiam trabalhar com literatura. Centenas de editores, de selos miúdos, estariam empregados em repartições públicas, sabendo que só quem é ‘referência’ pode viver de livros.
Por que do mesmo jeito que a Editora Globo não quer publicar o novo autor, o Paulo Coelho não vai lançar seu próximo livro através de um selo nanico de um editor sem QI (leia-se Quem Indica).
Então o jeito é encontrar um meio-termo, levantar bandeira branca, selar a paz e fazer um brinde. Precisamos parar de alimentar esta rixa desconexa, e desmerecer publicamente uns aos outros. Por que as grandes editoras, os autores renomados, os veículos de comunicação graúdos, continuarão muito bem, obrigado, e nem perceberão que estamos aqui, nesta histeria toda.
Se, enquanto autores e editoras, não nos conectarmos; se não passarmos a caminhar no mesmo ritmo (já que vamos para o mesmo lugar); se não tentarmos aprender mais e aperfeiçoar nosso trabalho; se não sentarmos, conversarmos e nos entendermos de uma vez; se não buscarmos força um no outro, morreremos abraçados.
Juntos e abraçados, pisando o mesmo chão que sempre pisamos, e no qual nos enterraremos.
Eu, o autor do comentário, você e todos nós.