Até poucos anos, ou se tinha um bom apadrinhamento editorial, ou se tinha dinheiro. Caso contrário, você não publicava. Hoje, não.
Esta entrevista é daquelas que servem para mostrar aos escritores iniciantes o que é o mercado editorial. Não tem por objetivo ser pessimista ou desanimar alguém. Muito pelo contrário. Ao conhecer melhor como funciona este mercado, os escritores poderão planejar suas trajetórias e lutar por seus objetivos.
A conversa com Jana Lauxen, responsável pela editora Os Dez Melhores, é simples e direta, mas atrás da objetividade há verdades muito importantes sobre como funcionam as coisas no mercado de livros, especificamente em nosso país.
Se você está disposto a subir no ringue, saiba como e com quem vai lutar. A leitura desta conversa lhe dará esta perspectiva.
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Jana, primeiro nos fale um pouco sobre seu trabalho na Editoria Os Dez Melhores – que, aliás, tem um nome intrigante.
JL: Antes de fundarmos a Editora Os Dez Melhores, em 2013, tanto eu quanto meu sócio, Alexandre Durigon, trabalhávamos em editoras sob demanda, onde atuávamos mais como atendimento e vendas, e menos como editores.
É comum que editoras especializadas na publicação do novo autor trabalhem em cima de quantidade, afinal, lançam muitos livros com tiragens muito pequenas (que dificilmente ultrapassam os cem exemplares). E editando vinte, trinta, quarenta autores em um mês, torna-se difícil realizar um trabalho editorial de qualidade.
Observando este cenário, elaboramos a proposta de nossa editora: menos autores (somente dez por ano), tiragens maiores (500 exemplares), e a realização de um trabalho editorial exclusivo e específico para cada livro publicado sob nosso selo, que inclui revisão, edição, produção, lançamento e divulgação.
Eu e o Alexandre, meu sócio, somos escritores, e buscamos oferecer um serviço que, enquanto os autores que também somos, gostaríamos de receber.
Como tem sido a recepção do mercado sobre o trabalho feito pela Editora Os Dez Melhores? Acho isso relevante para esta conversa, pois percebo que a qualidade é a prioridade, porém uma editora ainda é uma empresa em busca de rentabilidade, correto?
JL: Sim, corretíssimo. E isso precisa ser compreendido, primeiramente, pelo autor. Muitos entram em contato buscando somente realizar ‘seu sonho de infância’, que é publicar um livro, sem perceber que a editora é uma empresa como outra qualquer – e não a fantástica fábrica de chocolate. Esta postura equivocada cria muitos obstáculos e ruídos de comunicação na relação autor/editora, gerando problemas para ambas as partes.
Contudo, respondendo sua pergunta inicial, percebo que a recepção do mercado para a Editora Os Dez Melhores é positiva, porém ainda cautelosa. Vejo que muitos autores olham desconfiados para nossa proposta – até por que, é uma proposta diferente das costumeiramente encontradas no mercado editorial. E tudo o que é diferente causa estranhamento. Alguns se perguntam como faremos para divulgar e como poderemos nos manter lançando somente dez autores por ano.
No entanto, somos uma empresa muito aberta e transparente, e fazemos questão que o autor compreenda cada detalhe do processo de edição e publicação de seu livro antes de assinar seu contrato.
Não queremos causar surpresas ao autor no decorrer deste processo, e não queremos que o autor nos cause surpresas também. Até por que, a relação autor/editora é, acima de tudo, uma relação de parceria. E como em qualquer parceria, ambas as partes precisam ganhar; caso contrário, não dará certo.
Por isso, primamos pelo diálogo e pela transparência, para o nosso bem, e para o bem do autor.
O que você considera vantajoso e desvantajoso na autopublicação?
JL: Uma das principais vantagens da autopublicação é a efetiva participação do autor no processo de edição e lançamento de seu livro.
Caso opte por uma editora sob demanda, é natural que o autor mantenha contato direto e pessoal com seu editor, e opine em questões que, em editoras tradicionais, não seria sequer informado. O que é bacana, pois, no momento em que passa a se envolver, o autor pode também compreender como funciona o mercado no qual está entrando – o que é importantíssimo.
Alguns autores, já renomados, estão inclusive fazendo o caminho de volta: saindo de editoras tradicionais e retornando ao cenário independente, justamente por que buscam mais autonomia profissional. A escritora gaúcha Clara Averbuck é um bom exemplo, neste caso.
A autopublicação e o aumento significativo do número de pequenas e médias editoras em nosso país, significam também a democratização da literatura, o que, em minha opinião, é uma tremenda vantagem. Até poucos anos, ou se tinha um bom apadrinhamento editorial, ou se tinha dinheiro. Caso contrário, você não publicava. Hoje, não. Hoje existem muitas opções.
Tantas, que se tornaram um problema: há, atualmente, um número muito grande de editoras que realizam um trabalho de gráfica. Apenas fazem a ponte entre o autor e seus próprios fornecedores. O resultado é que estas editoras despejam mensalmente no mercado milhares de livros que não passaram por qualquer trabalho editorial, e muitas vezes são lançados repletos de erros e problemas, gerando um desserviço à literatura, aos autores, ao mercado editorial e, principalmente, aos leitores.
O editor sempre foi um filtro de qualidade, você não acha que se perde um pouco disso na autopublicação? Como o jovem escritor saberá que está pronto?
JL: Certamente. O processo de produção, edição e lançamento de um livro não pertence somente ao autor; várias pessoas estão envolvidas neste trabalho, e todas – sem exceção – querem o mesmo que o escritor: que o livro dê certo. Refiro-me ao editor, ao revisor, ao capista, ao diagramador. Também é importante que seja realizado um bom trabalho de divulgação sobre a obra, que geralmente fica sob responsabilidade do departamento de comunicação e marketing da editora.
Logo, o trabalho do autor é tão importante quanto o trabalho do editor e de toda a equipe da editora.
Na autopublicação, este cuidado e estes detalhes muitas vezes se perdem.
A editora atua como gráfica, e o autor, como cliente. Afinal, se não existem muitas editoras oferecendo um trabalho editorial completo, é por que não existem muitos autores dispostos a recebê-lo.
E, sim, o resultado são livros ainda crus, muitas vezes repletos de erros e problemas, com baixíssima qualidade literária e editorial.
Sobre a última pergunta, não creio que exista um momento X no qual um autor possa dizer que está pronto, até por que, isso varia de pessoa para pessoa, e do quanto o autor está realmente disposto a aprender.
Mas, se eu pudesse dar uma dica, seria esta: não publique o primeiro livro que você escreveu. Muitos autores nunca escreveram nada na vida, e um belo dia sentam e escrevem um livro de 500 páginas. Não publique este livro, amigo. Primeiro, escreva muito, e busque entender o mercado no qual pretende se inserir. Também é fundamental ter humildade e inteligência para escutar e aprender com quem já fez o caminho que o autor está começando a percorrer.
O primeiro livro que eu publiquei (Uma Carta por Benjamin, em 2009) tem 130 páginas e foi o quarto que escrevi. E até hoje agradeço aos céus por não ter publicado o primeiro – que, para variar, tem mais de 500 páginas, e é um horror.
Alguma dica, além de não publicar o primeiro livro, sobre o que o novo autor não deve fazer?
JL: Creio que o novo autor deve, antes de tudo, conhecer o mercado no qual pretende se inserir. E para isso vale conversar com escritores veteranos e editores, ler artigos sobre o tema, pesquisar (eu mesma mantenho uma coluna no site Homo Literatus sobre o mercado editorial).
O novo autor geralmente chega até sua editora totalmente verde, e isso é um grande problema – tanto para a editora, que acaba encontrando dificuldades em manter uma relação saudável e profissional com o autor, quanto para o próprio autor, que, por afobação e despreparo, muitas vezes cai nas mãos de editoras de caráter duvidoso.
Então, esta é minha dica: não assine contrato com a primeira editora que aparecer na sua frente, e nem tenha pressa quando o assunto for publicar seu livro. Pois, para percorrermos um caminho com inteligência e eficiência, precisamos antes conhecer este caminho.
No dia a dia da editora, vocês devem ter contato com as mais diversas histórias, no que se refere a novos autores. Alguma especialmente que tenha marcado?
JL: É marcante – e chocante – a maneira comicamente prepotente com que alguns autores se apresentam para a editora. Para usar um exemplo recente, um autor entrou em contato dizendo que a editora deveria lhe pagar dez mil reais somente para ter a honra de ler seu original, que era, segundo ele, o suprassumo da literatura nacional. Mas que, por generosidade, nos encaminharia o livro gratuitamente, desde que listássemos para ele as vantagens que ofereceríamos para que ele assinasse o contrato conosco, e não com outra editora.
A gente riu pra não chorar.