No hotel em que nos hospedamos (parte da equipe do Homo Literatus), dissemos à recepcionista, na manhã seguinte à chegada, que estávamos interessados num turismo literário. A reação da simpática mulher foi espontânea como só os latino-espanhóis conseguem ser.
Usted necesitan conocer El Ateneo! Es una estructura muy hermosa!
Os gestos eram efusivos, quase exagerados. Obviamente, não nos restou escolha. Pegamos a Linha D do metrô, descemos na Estação Callao e andamos quatro quarteirões, ainda sem saber o que realmente era o tal El Ateneo.
Bastou nos depararmos com a belíssima arquitetura da fachada do edifício para nos maravilharmos. Sua frente tem estilo grego com granitos acinzentados e pedras claras nas partes altas, obra do escultor Troiano Troiani.
Entramos.
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A livraria El Ateneo Grand Splendid foi fundada em 4 de dezembro de 2000, tornando-se referência da cadeia de livros muito tradicional de Buenos Aires, a El Ateneo. Após a restauração, o lugar tornou-se a livraria mais bela da cidade, além de ser a maior da América do Sul. Posteriormente, em 2008, foi considerada pelo jornal inglês The Guardian a segunda livraria mais bonita do mundo (a primeira é a livraria a Selexyz Dominicanen Boekhandel na cidade holandesa de Maastricht).
Os números são incríveis. Mais de 120 mil títulos em estoque. De acordo com dados da biblioteca, cerca de 3.000 pessoas por dia circulam por seu ambiente, com vendas de mais de 700.000 livros por ano.
O ambiente é tão aconchegante e surreal que não há um leitor que não se sinta ao mesmo tempo surpreso e em casa. Poltronas acomodam leitores de todas as idades, que podem passar ali seu tempo sem precisar comprar o livro que decidirem ler. No piso subterrâneo há a área infantil, onde os argentinos colocam seus livros de fantasia, o que estranhei um pouco.
Ao olhar para cima, pode-se ver uma pintura realizada pelo italiano Nazareno Orlandi, num estilo que alterna entre o maneirismo e o romantismo. A cena é uma representação alegórica da paz, pintada em 1919 após o fim da Primeira Guerra Mundial. Representada por uma figura feminina sensual, a paz é pintada numa escadaria cercada por flores. Guirlandas de flores e nuvens encobrem a guerra. Pombas, anjos e ninfas cercam a figura da Paz. As varandas do piso superior mantêm o estilo original, inclusive as cortinas de veludo, intactas.
O que um dia foi um palco de teatro hoje abriga um elegante bar e café, com música ambiente. Um local para se esquecer do tempo (talvez a leitura de O Imortal, de Borges, seria uma boa pedida).
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Após a empolgação inicial, fomos nos sentindo à vontade, fotografando, conversando com os vendedores. Não me contive e fui empilhando alguns livros que decidi comprar. Livros nunca são gastos, mas sim investimentos. Veja do que esta paixão pela leitura é capaz, duma hora pra outra, venci o medo de ler em espanhol! Primeiro me afeiçoei pelas belas edições de livros da Debolsillo (livros de bolso). Mesmo que já tivesse lido os dois livros de contos mais conhecidos de Borges, decidi que queria tê-los em espanhol. Ficciones e El Aleph iniciaram minha pilha. Já faz um tempo que eu andava namorando a leitura de alguma coisa do Gabo, em grande parte por influência de alguns bons amigos leitores. Por que não ler no original? – ocorreu-me de repente. Acrescentei à pilha Cien años de soledad e Cronica de una muerte anunciada. O Nobel de Literatura Gabriel García Marquez não perde por me esperar. Com quatro livros da Debolsillo, ainda não me satisfiz. Perguntei a um vendedor se tinha alguma coisa de Horácio Quiroga, um contista uruguaio que sempre tive curiosidade de ler. Devolveu-me perguntando qual livro dele eu queria. Não esperava por esta, pois aqui no Brasil quase não se vê nada dele (a não ser umas edições decrépitas). Peguei meu celular e achei um rascunho onde havia anotado o nome de um livro de Quiroga, Cuentos de amor, de locura y muerte. Sim, eles tinham. Estava na estante infantil. Fiquei abismado, pois até onde havia lido sobre o contista uruguaio suas histórias eram brutais, algo na linha de Edgar Allan Poe. Desci ao piso inferior e peguei o livro. Por fim, raciocinei que ler uma obra mais fácil, que eu já houvesse lido antes, facilitaria minhas leituras subsequentes em espanhol. Comprei uma edição de bolso de O Pequeno Príncipe (em espanhol: El Principito).
No caixa, paguei com um sorriso. Comprei seis livros por $ 387,00 pesos argentinos. Em reais, com uma taxa de câmbio que havíamos trocado, R$ 3,40 por um peso, gastei apenas R$ 113, 82. Analise, comprei seis grandes clássicos em edições de bolso, mas muito bonitas, pela média de R$ 18,97 por livro.
El Ateneo é o paraíso dos apaixonados por literatura, pelo lugar, pelas possibilidades e, mais do que tudo, pelos livros.
Imagens por Giseli Corrêa.
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Este texto pertence à série Viagens Literárias, em que colaboradores do Homo Literatus trazem uma perspectiva literária de outros lugares do mundo onde estiveram.