Poetisa americana, Elizabeth Bishop passou boa parte vivendo no nosso país e convivendo com grandes poetas e artistas da época. Suas descrições do Brasil são intensas e sinceras.
No dia 8 de fevereiro de 1911, nascia em Massachusetts, EUA, Elizabeth Bishop. Autora versátil, Bishop escreveu poesia, prosa, missivas e traduziu inúmeras obras. Com o livro Norte e Sul- Uma primavera Fria ganhou, em 1956, o Prêmio Pulitzer de Literatura.
Suas primeiras publicações apareceram na Vassar College, revista que fundou juntamente com Margaret Miller e Mary McCarthy. Com incentivo de amigos como Marianne Moore e de aplicações financeiras de seu falecido pai, Elizabeth Bishop desiste de ingressar numa carreira médica e dedica-se totalmente à poesia.
Em 1951, após receber o valor de 2,500 dólares do Bryn Mawr College, a escritora resolveu conhecer a América do Sul. No Brasil, seu navio atracou no porto de Santos. Tal momento, rendeu um poema. Lê-se no fragmento de “Chegada em Santos”:
” Eis uma costa; eis um porto;/após uma dieta frugal de horizonte, uma paisagem:/morros de formas tão práticas, cheios – quem sabe? de autocomiseração/tristes e agrestes sob a frívola folhagem,/uma igrejinha no alto de um deles. E armazéns,/alguns em tons débeis de rosa, ou de azul,/e umas palmeiras, altas e inseguras. Ah, turistas,/então é isso que este país tão longe ao sul/tem a oferecer a quem procura nada menos/que um mundo diferente, uma vida melhor, e o imediato/e definitivo entendimento de ambos/após dezoito dias de hiato?”
A ideia inicial de Elizabeth era passar duas semanas no Brasil, as duas semanas, porém, transformaram-se em quase duas décadas. Sua estada no país prolongou-se devido à sua relação amorosa com a arquiteta-paisagista Carlota de Macedo Soares. As duas viveram na capital Fluminense e depois mudaram-se para um sítio em Petrópolis. O companheirismo e a cumplicidade das duas é bem visível no seguinte poema:
“Perto, perto, à noite/o amor se mantém./Uma junto a outra:/dormem bem./Perto, duas páginas/de uma obra/que se leem/na sombra./Cada qual sabe/o que a outra sabe,/lição dada ao peito/da cabeça ao dedão.”
Sobre o sítio em Petrópolis chamado de Fazenda Samambaia, ela escreveu:
“Numa obscura era/de água/o riacho canta de dentro/da caixa torácica/das samambaias gigantes;/por entre a mata grossa/o vapor sobe, sem esforço,/e vira para trás, e envolve/rocha e casa/numa nuvem só nossa./À noite, no telhado,/gotas cegas escorrem,/e a coruja canta sua copla/nos prova/que sabe contar:/cinco vezes — sempre cinco —/bate o pé e decola/atrás das rãs gordas, que/coaxam de amor/em plena cópula.”
Estabelecendo residência, relação amorosa e amigos por essas quadras, a obra de Elizabeth Bishop faz inúmeras referências à nossa cultura e costumes. Tais alusões e menções são temas recorrentes de sua poesia e de sua prosa. Não raro se vê em sua escrita a paisagem exótica do país, a mulher e o homem simples da terra, as marchas de carnaval. No texto “Na Ferrovia chamada Encantado”, a escritora fala sobre o carnaval do Rio de Janeiro. Lemos:
” […] Como manda a tradição carnavalesca, esses desfiles duraram a noite toda (e não devemos esquecer que estamos na estação das chuvas no Rio), sendo as melhores escolas escaladas para se apresentar no final, dançando corajosamente na avenida ao raiar da madrugada. Na noite de terça desfilam os ranchos, enormes carros alegóricos, muitos deles mecanizados, com rodas a girar, flores a se abrir, gigantes a revirar os olhos. Este ano, em homenagem ao quarto centenário, muitos deles representavam cenas reais ou imaginárias da história da cidade.” (página 245)
Sobre a recém-fundada Brasília, Bishop escreveu Uma nova capital, Aldous Huxley e alguns índios, um texto detalhado sobre a visita de Huxley ao país e sua passagem pelo Distrito Federal. Bishop faz uma descrição minuciosa da arquitetura, da geografia e da história do lugar. No trecho abaixo, ela descreve suas primeiras impressões:
“Dentro do terminal, tinha-se uma boa amostra da atmosfera cotidiana da maior parte de Brasília àquela altura- a atmosfera de uma pequena rodoviária norte-americana, no extremo oeste do país. Homens de jeans, com chapéus de feltro de aba larga e botas de cano alto, fazem hora tomando café e cerveja e comendo pastéis dormidos. (Ainda são poucas as mulheres em Brasília; no meu voo, eu era a única.) Há uma pequena venda de artigos variados, com latas amassadas de leite, sardinhas e palmito, cordões de linguíça seca, garrafas de cachaça, óculos escuros, comprimidos para dor de cabeça e jornais de véspera. Na parede, uma fileira de flâmulas de seda ostenta a palavra mágica: Brasília; também estão à venda placas de plástico com a mesma palavra em letras douradas ao lado do perfil do homem que está por trás de tudo: Juscelino Kubitschek de Oliveira, envolto numa névoa dourada.” (página 208)
E prossegue falando sobre a arquitetura do ambiente, dando destaque ao Palácio da Alvorada:
“O palácio da Alvorada é uma caixa de vidro grande, retangular e esverdeada (por efeito do Ray-Ban), emoldurada ao longo do comprimento por colunas curvas, de cor creme… Visto de fora, é sem dúvida um dos mais belos de todos os prédios construídos por Oscar Niemeyer.” (página 217)
Quanto à postura de Aldous Huxley, a escritora revela:
“Quando observa algo de perto, uma fotografia ou uma pintura, por vezes tira do bolso uma pequena lupa com armação de osso, ou então, no caso de objetos distantes, um telescópio em miniatura, e muitas vezes, quando está sentado, protege o olho saudável cobrindo-o com a mão. Sua paciência é ilimitada, ele nunca parece cansado e demonstra com um sorriso simpático pequenos arroubos de interesse. A impressão que dá, porém, é de que está absorto numa meditação interior, muito distante das atividades humanas talvez frívolas propostas pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro…” (página 216)
É importante também comentar que Bishop viveu em Ouro Preto, lugar do Brasil onde fixou sua última residência. Foi ali que conheceu o pintor Carlos Scliar e fez novos amigos, uma vez que se anunciava seu afastamento amoroso com Lota. Tal casa era chamada de Casa Mariana, uma homenagem à amiga Marianne Moore. No poema Pela janela: Ouro Preto, Bishop escreve:
Conversas singelas: fala-se de comida,
ou: “Quando minha mãe me penteia,
machuca.”
“Mulheres.” “Mulheres!” Mulheres
com vestidos
vermelhos, sandálias plásticas, e bebês
quase invisíveis – agasalhados, só os
olhos
de fora, no calorão – que elas
desembrulham
e levam até a água, e dão de beber
com mãos sujas e amorosas, aqui
onde antes
havia uma fonte, e onde todos passam.
Posteriormente, Bishop aceita o convite para ministrar aulas em Seattle. Num período de estada em Nova York, a escritora é visitada por Lota, que estava num estado de depressão profunda. Após ingerir vários sedativos, Carlota morre no dia 25 de setembro de 1967. Bishop, ao retornar para o Brasil, vai percebendo uma hostilidade das pessoas, como se a culpassem pela morte da amada. Assim, aos poucos, a poetisa vai se afastando do país, de sua Casa Mariana. Com o passar dos anos, Elizabeth muda-se para a Nova Inglaterra, vindo a falecer, em 1979, de aneurisma cerebral. Para essa mulher forte, que não conhecera o pai e que mal convivera com a mãe, sua família era o mundo. As viagens e a Literatura, sua casa. Para Elizabeth – a órfã, desenraizada, observadora, escritora – não existia a possibilidade de se decepcionar com as coisas, nem com as pessoas; pois ela sabia que não há vida sem chegadas e partidas. Em sua existência, as rupturas transformavam-se em poesia, em Uma Arte:
A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
Referências Bibliográficas:
BISHOP, Elizabeth. “Poemas escolhidos”. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2012)
BISHOP, Elizabeth. “Prosa”. Seleção, tradução e notas de Paulo Henrique Britto. São Paulo: Compainha das Letras, 2011.