Vez ou outra, pego-me fascinado com um determinado tipo de romance que não poderia classificar de outra forma senão como “romances escritos por poetas”. Vejam bem, não abandonei minha postura de considerar o principal de um livro uma ótima história. Contudo, venho me tornando cada vez mais um apreciador da linguagem. Logo, romances que foram escritos por poetas, se com uma boa história, saem na frente. As belas metáforas de Çaturanga, do indiano prêmio Nobel de literatura Rabindranath Tagore, surpreendem em sua busca pelo etéreo. No entanto, ao explicar o título do texto, vou me deter noutro romance, A Redoma de Vidro, da poeta inglesa Sylvia Plath.
Não só de metáforas preciosas se faz um romance dum poeta, mas também dum ritmo marcante. No começo, eu me perguntava como isso era possível, porém ao analisar os textos, comecei a compreender que existia certa concisão poética na prosa destes livros que me chamavam a atenção. Por concisão, entenda que me refiro a expressar com poucas palavras uma carga sentimental poderosa, como se em vez de se utilizar duma metralhadora, fizesse-se uso duma arma de precisão. O ritmo criado por esta precisão/concisão é o total domínio da forma em favor da expressão.
Um exemplo deve clarificar a minha fala:
“Os dias se estendiam à minha frente, uma série de caixas brancas e luminosas separadas pelo sono, como se fosse uma sombra escura. Mas a longa extensão de sombras que separava uma caixa da outra tinha se interrompido e eu via um dia depois do outro, do outro, do outro, brilhando na minha frente como uma avenida imensa, larga e definitivamente triste”.
Neste trecho d’A Redoma de Vidro, a protagonista-narradora, Esther Greenwood, descreve da mesma forma que em todo o romance sua desintegração mental. Reparem como uma afirmação simples, “Os dias se estendiam à minha frente…”, é seguida duma metáfora que causa estranheza por seu sentido sensorial, “…uma série de caixas brancas e luminosas separadas pelo sono…” (caixas brancas e sono, qual a relação?); e que depois arremata para uma sentença final que decresce, “…como se fosse uma sombra escura.”. A construção frasal encerra em si mesmo uma espécie de três tempos, como num poema de três versos. Se analisada a sequência, nota-se a repetição da estrutura, embora com certas diferenças. A oração que se segue é longa, como se quisesse dar uma volta maior que culminasse em voltas pequenas, “…do outro, do outro, do outro..”. Logo aparece a segunda oração, como uma espécie de respiro que prepara o leitor para a última oração, “larga e definitivamente triste”.
Se isto não foi usar a forma em favor do conteúdo, não faço ideia do que seja. Por esta razão, defendo que quem deseja escrever precisa ler todos os gêneros. A leitura de livros como este de Sylvia Plath possibilitam um enriquecimento sem igual. Literatura é expressão de sentimento, de sentido, e a leitura de romances escritos por poetas ajuda a aguçar isto.
A poesia é um caminho para se atingir a concisão na prosa.