Não é o anticlímax dos autores supracitados, é apenas uma nova forma de mostrar que a busca pelos píncaros das últimas páginas pode ser apenas uma ilusão a qual estamos acostumados.
Desde tempos imemoráveis, o fim parece ser o que importa. Lemos páginas e mais páginas para saber onde vai terminar determinada situação. A literatura ocidental tem desenvolvido esse estigma por pelo menos dois mil anos, acostumando-nos com a ideia de que tudo conflui para o desfecho.
Mas será que somos realmente capazes de chegar ao desenlace da trama ou para trilharmos o caminho pelas páginas? E mais: será que o importante está no fim ou no desenvolver do romance/conto?
Até pelo menos cem anos atrás, ninguém diria o contrário. Hoje, no entanto, depois de muita literatura e muitos romances anticlímax, somos obrigados a rever esses conceitos e pensar o que buscamos nas narrativas que lemos.
Poderíamos tentar apontar um marco inaugural para o caso, dizer que Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski, é o primeiro romance anticlímax devido a vários motivos, mas vamos nos focar em autores que construíram suas obras como um todo ao desconstruir o clímax.
Franz Kafka o fez como ninguém. O que nos faz ler seus contos e romances não é a espera de uma grande reviravolta nas últimas páginas. Ao lermos A metamorfose, por exemplo, a virada se dá nas três primeiras páginas da obra. O resto da trama se centra na esperança do leitor de que a situação de Gregor Samsa mude. O zênite da obra chega e nada muda, deixando nós, leitores, apavorados com as desventuras sucessivas por ele passadas. O topo das narrativas de Kafka não se faz em poucas páginas e com mudanças bruscas, se faz, mas sim com uma decantação lenta e gradual dos horrores passados no nosso cotidiano. O ponto alto é ver a injustiça e o absurdo das coisas, chocantes num primeiro momento, transformarem-se em fatos cotidianos e corriqueiros, internalizados com uma facilidade assombrosa por todos nós.
Podemos dizer o mesmo de José Saramago e dos seus romances mais tardios – se não de todos. A injustiça apontada por eles é recorrente, focando num primeiro momento a história de Portugal e em episódios específicos. Ele, porém, a partir de Ensaio sobre a cegueira não está mais preocupado em contar um enredo fechado. Seu interesse é mostrar uma ideia da maneira que lhe calhar. Quando a cegueira branca acaba e todos voltam a enxergar, o que temos, a meu ver, é um falso final onde o autor nos leva a pensar se eles – e, consequentemente, nós como conjunto – algum dia sairemos da cegueira. O anticlímax de Saramago vai se desenvolvendo de tal forma que, em seus últimos romances focados nos problemas do mundo, ele não vê necessidade de ter uma trama do começo ao fim do romance (Ensaio sobre a lucidez e Intermitências da morte são bons exemplos do caso).
É difícil saber onde começa e onde termina as obras de Bolaño. Alberto Ruiz-Tagle, protagonista de Estrela Distante, é personagem do último verbete de Literatura Nazi em América. Personagens que surgem nos contos de Chamadas Telefônicas, ressurgem várias vezes em outros contos e romances do autor – inclusive seu alter-ego, Arturo Belano, um dos protagonistas de Os detetives selvagens. Mas não há nada como o monumental 2666. Nele temos cinco partes que constroem um conjunto. Podendo ser lidos de forma independente, todas formam um conjunto avassalador onde não há um começo nem um fim determinados. Quando o livro termina, notamos que estamos no meio da história como um todo e que sabemos (?) o fim, ou pelo menos aonde iremos parar, desde 400 páginas atrás. Não é o anticlímax dos autores supracitados, é apenas uma nova forma de mostrar que a busca pelos píncaros das últimas páginas pode ser apenas uma ilusão a qual estamos acostumados.
Nenhum deles, contudo, chega ao extremo do autor japonês Haruki Murakami. Com romances que mais parecem os thrillers cinematográficos de Alfred Hitchcock, Murakami nos leva por páginas e mais páginas, largando pistas de eventos surreais/bizarros/mágicos e nos fazendo crer que no fim irá dar respostas. Quando terminamos os livros, notamos que fomos enganados ou muito bem iludidos. Nunca saberemos quem é o povo pequenino de 1Q84, nem saberemos quem são a mãe e a irmã de Kafka Tamaru em Kafka à Beira-mar. A jornada do herói não nos leva às respostas depois de tudo; ela nos leva a mais questionamentos e a uma completa sensação de vazio de respostas concretas e definitivas. Os fins de seus romances são muito criticados por esse fato de não terem um grande desfecho, deixando muitas pontas abertas e/ou sem respostas, decepcionando leitores mais ortodoxos que exigem o gran finale a todo custo. Murakami nos mostra com seus fins sem resposta que estamos acostumados a recebermos a pedra filosofal ao findar das páginas, bem como o fato dessa pedra ser, quem sabe, apenas uma ilusão narrativa que nos amortece das grandes verdades sofríveis da vida.