Entre nós & entrelinhas: Contos de Fadas não existem!

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Há quem pense que a vida em sala de aula é marcada apenas por ensino de cálculo, gramática, alguns ‘puxões de orelha’ e incomodações de tudo quanto é lado. Sim… Isso tudo existe, mas há acima de tudo, surpresas e aprendizagens.

Certo dia, quando decidi trabalhar com os Contos de Fadas em sala de aula levei um susto quando um menino da segunda série começou a rir bem alto. Primeiramente, pensei que ele estivesse achando graça de algo que havia lido, mas depois do primeiro impacto que eu tive ele, simplesmente, largou o livro longe (atirou o exemplar) e gritou para mim: “Só besteira!”. Eu, prontamente, decidi indagar qual era a tal besteira e ele respondeu que naqueles livros só havia ‘bobagem’ escrita. Que nada daquilo existia e quem escreveu aquilo tudo era um mentiroso: “Como é que alguém pode ser um ESCRITOR mentindo desse jeito?”.

A princípio a sensação foi de choque, mas como sempre, fui indagando o porquê de tamanha rebeldia e o piá respondeu com fúria: “Comer maçã e dormir, bruxas, fadas, duendes… Isso é tudo história pra boi dormir. Como é que a senhora dá essas coisas pra gente ler?” E, antes que eu pudesse defender as personagens ele largou outra pérola: “Queria ver a Chapeuzinho vermelho vendendo bala pra poder comer à noite? Ou esses príncipes babacas deixarem de ir tomar uma dose na venda pra ficar ao lado dessas mocinhas ‘patricinhas’ e idiotas?”.

Tentei explicar os contos de fadas para ele, que são criações de pessoas que tinham uma imaginação fértil (como explicar fatos técnicos e pertinentes à criação dos contos de fadas a uma criança de 10 anos?), mas ele respondeu, ou melhor, gritou: “Contos de fadas não existem!”. E continuou: “O que existe é ter que ir pra rua pra vender bala pra ajudar a mãe em casa enquanto o pai bebe uma dose no bar”.

Como terminou essa história de vida? Não insisti mais com os contos de fadas. Tentei gibis, que para ele eram mais divertidos e, segundo ele, dava para ver que era mentira, diferente daqueles contos de fada que tentavam enganar a pessoa que lia.

Hoje em dia, tanto quando recomendo os livros para a leitura em minha sala de aula, ou quando monto a minha caixinha de leitura ou até mesmo quando escrevo, penso várias vezes no público que irá ler aquele(s) livro(s). Qual será a história de vida, qual narrativa está apresentada ali naquele livro e, tento prever, qual impacto surtirá em meus alunos ou em meus leitores. Criar sem chocar. Criar para estimular a reflexão. Criar para alegrar. Vários caminhos para a criação de meus livros infantojuvenis. Mas criar sempre. Incentivar a leitura sempre. Acima de tudo, ler é se recriar.

Mais um depoimento para a reflexão.

Luz e livros a todos.

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