Entre nós & entrelinhas: Ilustrações que machucam

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Certo dia, eu estava no momento da roda da leitura em minha sala de aula. Esse espaço semanal sempre foi destinado à leitura “divertida”, aquela que não há obrigatoriedade de nada… Apenas de ler e sentir prazer. Era a nossa HORA INFÂNCIA. Os alunos, como de costume, foram saindo de seus lugares e escolhendo o seu livro. Como eram crianças pequenas, 2ª série na época, eles sempre optavam por aqueles livros mais coloridos e mais divertidos. Eis que numa certa tarde, na HORA INFÂNCIA, percebi que uma de minhas alunas havia escolhido um livro sem figuras. A princípio me surpreendi, mas decidi não interferir em sua escolha. Como aquele momento não tinha uma tarefa formal ao final da leitura, os alunos, ao final da atividade, apenas iam devolvendo seus livros na caixinha e voltavam às suas tarefas de aula.

Porém, durante as semanas seguintes, pude perceber que aquela aluna continuava a pegar livros com pouquíssimas ou sem nenhuma ilustração. O que estaria acontecendo? Era uma turma que lia, mas lia pequenos textos, alguns alunos ainda juntavam sílabas e, todos nós sabemos que as figuras, nesse contexto pedagógico, são grandes aliadas na interpretação da história ou fortes argumentos para o incentivo à leitura. Entretanto, para essa menina as ilustrações não eram interessantes. Muito estranho. E, depois de quatro semanas apenas observando, decidi perguntar para ela o porquê dela não escolher livros ‘coloridos’.

Alguma opinião? Ler ela lia. Será que gostava apenas de ler?

Não. Ela não lia. Sabia ler, mas não lia. Como assim?

Ela me disse, com os olhinhos marejados de lágrimas e com voz tímida que ela não lia os livros, apenas folheava as páginas. E, quando eu continuei insistindo sobre as figuras, afinal todas as crianças gostam de ilustrações, ela, com a maturidade dos seus nove anos (muito vividos), me disse que “(…) das letras ela podia fugir, das figuras não(…)”. Os desenhos coloridos com pessoas sorridentes e famílias unidas e felizes eram uma afronta à sua realidade sem cor.

Abaixo, escrevi (mais ou menos) o que a aluna disse:

“Lá em casa não é igual aos desenhos coloridos dos livros. Nem as paredes lá de casa são pintadas. Não gosto de cor. É tudo besteira esses desenhos. Já estou acostumada com a cor do cimento”.

Reflitam.

Luz e livros a todos.

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