Ondjaki nasceu em Luanda, capital da Angola, em 1977. Seu pseudônimo significa guerreiro em umbundu, segunda língua mais falada de seu país. Seu interesse por literatura começou cedo, aos 13 ou 14 anos. Realizou seus primeiros estudos em sua terra natal e depois obteve licenciatura em Sociologia na cidade de Lisboa, em Portugal. Sua trajetória artística passa também pela atuação teatral, pelas artes plásticas e pelo cinema. Em 2000, lançou seu primeiro volume poético, Actu Sanguíneu. Em 2006, participou da codireção de um documentário abordando sua cidade natal, Oxalá cresçam pitangas – histórias de Luanda, fruto de uma parceria entre Angola e Portugal. Mas ao passar por todas as artes, ele sempre volta à literatura.
Em 2007, recebeu o prêmio de conto Camilo Castelo Branco por sua obra Os da Minha Rua. Seus livros foram traduzidos e publicados em países como França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e China, e foi o único representante africano entre os 10 escritores finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2008. Em outubro de 2010, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria Juvenil, com o romance Avó Dezanove e o Segredo do Soviético. Atualmente, mora no Brasil, no Rio de Janeiro. Suas publicações mais recentes foram: o romance Os transparentes (2012), e os contos juvenis A Bicicleta que Tinha Bigodes (2011) e Uma Escuridão Bonita (2013).
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A poesia parece ocupar um lugar especial na sua escrita, embora também escreva contos. Por que sua preferência pela poesia?
Na verdade, eu acho que até tenho preferência pelos contos. São momentos internos e escritas distintas. A poesia ocupa um lugar de dúvida, na minha escrita. Eu realmente tenho dificuldade em entender a poesia que escrevo, ou as razões por que o faço. Mas por alguma razão que ainda desconheço, continuo a escrever poesia. É talvez importante, para mim, não saber o “porquê” de certas coisas no mundo da literatura.
Quais são os autores que o influenciaram?
São muitos. Mas, sobretudo, os livros. Influencia-me quem me faz sonhar, crescer, duvidar, tremer, cair, recear, acreditar. Acho que nos influencia a literatura que nos toca. Há coisas que nos falam e coisas que nos calam. E há coisas que nos são indiferentes. E está bem que seja assim.
Li recentemente que os escritores são mais propensos à depressão. O que você acha disso? Já teve crises de inspiração?
Não necessariamente me parece que uma “crise de inspiração” leve a uma depressão. Já tive depressões, mas não sei se estavam relacionadas com a literatura. Já tive momentos em que me senti vazio, sem nada para poder escrever. E isso era mais aflitivo antigamente. Hoje em dia procuro pensar que se não tenho nada para dizer ou escrever, então é hora de estar quieto e calado. Começo a lidar melhor com isso. Não é preciso estar sempre a falar, ou a escrever. Na realidade, acho que passamos anos a tentar aprender a estar calados. Ainda não sei fazê-lo. Espero que possa conseguir um dia. É um desejo de me aproximar de uma certa sabedoria. Se eu for merecedor, pode ser que me aconteça. Não acontece a todos.
Você que já escreveu para crianças e jovens e ganhou um prêmio pelo livro A Bicicleta Que Tinha Bigodes, o que acha da forma como as escolas ensinam literatura?
Não sei a que tipo de escolas se refere… Acho que visitei escolas que ensinam muito bem a literatura. E esse ensinar “bem” é descobrir um modo de aproximar o livro de uma criança. Não são iguais, as crianças. Já se sabe que não as podemos tratar como uma manada, um grupo homogêneo. É trabalhoso descobrir que livro se adéqua a cada criança, a cada idade. E esse trabalho passa pelo diálogo. Mas, como sabe, hoje em dia temos pouco tempo para o diálogo. Queremos receitas rápidas, eficientes. Mas a literatura não tem muito a ver com imediatez e receitas prontas. Portanto, penso que há escolas que estão a fazer um bom trabalho, sim. Mas é preciso escutar as crianças, no seus anseios, nos seus sonhos, nas suas vontades infantis mas sérias. As crianças sabem muito…
Para encerrar: Trecho do poema Esperar o Vento, do livro Tração a 4 poemas e uma Corda.
…só na ilusão da asa
o ser se sonha.
seu degredo. sua afluência.
quantas vezes
sem consciência.
só no silêncio da asa
o ser se sonha.
pouco enredo. pouca ciência.
raras vezes
em abstinência.
só na solidão da asa
o ser se silencia.
és a casa dos pássaros.
és o não-chão. nem tremor nem homens nem calor. és o
aéreo que encandeia as nuvens e, num passo gêmeo, as
conduz.
és sedução genuína nessa textura que usas no mar. os
pássaros te freqüentam erráticos porque também és o
eco da poesia — a estranha densidade de nada pisar.,
o não silencioso.
o silencioso.
és o deserto que chove sobre o mundo