Um dos meus livros de cabeceira, Pornopopéia, do Reinaldo Moraes, será adaptado para a telona, numa produção da RT Features (vou confessar que já tive essa ideia.) Já leu Pornopopéia? Genial, cara, genial. O José Carlos, quer dizer, o José Carlos Ribeiro, ou melhor, o Zeca, o protagonista do livro, é um cineasta marginal, quarentão, niilista, epicurista, cínico, sarcástico, irônico, escatológico, mulherengo, que pra ganhar uma graninha tem que rodar um vídeo-institucional sobre embutidos de frangos. Só que em vez de escrever o roteiro da coisa, o cara desanda a contar a sua epopeia pela noite paulistana, recheada de sexo e drogas.
O romance tem quase 500 páginas. Cem delas descrevem as peripécias sexuais do nosso (anti-) herói passadas numa suruba, fruto de um ritual de uma recém-fundada doutrina milenar Zebuh-Bhagadhagadhoga (como filmar isso?). Nas outras, enquanto o cara não está trepando, com uma puta da Rua Augusta, está se drogando. Numas das centenas de digressões mirabolantes de Zeca, há a chave para entender o grande desafio que é uma adaptação para o cinema: a transposição de um signo para o outro. Ele diz:
“Qualquer extensão de tempo, aliás, cabe num punhado de palavras: Ivo viu a uva. Ou numa só: Eternidade. No cinema é mais complicado. Você seria obrigado a criar alguma metáfora visual forte pra denotar o significado de uma palavra densa como eternidade. Um anjo no cemitério contra um céu estrelado, por exemplo. Se funcionar, a imagem ganha da palavra. Se não – putz, chega.”
Cinema, como diz o Tarkovsky, é esculpir o tempo. Para perceber isso basta entrar numa sessão de cinema com dia claro, num cinema de rua, e só sair dela quando já tiver anoitecido. É um exemplo tosco, mas serve. Os sensíveis sabem. A desorientação causada não é fruto da saída de um lugar escuro pra um luminoso. Pode acreditar. Transpor Pornopópeia para o cinema será uma verdadeira epopeia. Tal como teria sido adaptar Em busca do Tempo Perdido, do Proust, como tanto queriam o Luchino Visconti e o Joseph Losey.
De duas, uma: Pornopópeia no cinema será um filme genial ou uma puta cagada!