Eric Novello indica Joe Hill

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Você já se perguntou qual livro seu autor preferido lhe indicaria? Imagine uma conversa de fim de tarde, num bar ou em qualquer outro lugar agradável, na qual você pudesse perguntar àquele escritor que você adora: qual autor você me indica para ler? E depois da resposta, que por certo surpreenderia, pudesse bater um papo sobre por qual livro começar, etc.

Esta é a ideia desta série de entrevistas do Homo Literatus que partiu de uma proposta simples: perguntar a outros escritores “qual escritor você me indicaria para ler?”.

Na primeira entrevista da série, o Homo Literatus conversou com o escritor Eric Novello, que indicou o autor Joe Hill.

Como se apresenta em seu site oficial, “Eric Novello estreou na literatura em 2004 e vem misturando temáticas fantásticas e realistas desde então. Multitarefas, é tradutor, editor, consultor e copidesque, tendo trabalhado com vários nomes da nova geração”. Seus principais livros são Neon Azul (2010) e Sombra no Sol (2012); ambos pela Editora Draco.

O escritor indicado é Joe Hill. No Brasil, os livros do americano foram lançados pela editora Sextante. São eles: A Estrada da Noite (2007), Fantasmas do Século XXI (2008) e O Pacto (2010); além de recentemente, a editora ter anunciado o lançamento de NOS4A2, última publicação de Joe Hill – fato que o Eric Novello destacou na entrevista.

***

Vamos de Joe Hill, então, Eric? Bateu um medo aqui, mas bora lá.
EN – Joe Hill e medo são uma boa combinação. Ele pega pesado.

Pois é. Promete que não vou sair com um chifre na testa até o final da entrevista[1]?
EN – Veja pelo lado bom. É um chifre com poder bônus, e fica super charmoso.

Para o bem, ou para o mal, é uma boa desculpa. Mas me conta, como o Eric Novello leitor chegou ao Joe Hill?
EN – Acho que a culpa foi do pai famoso do Joe Hill, um tal de Stephen King. O King foi uma leitura primordial em minha adolescência. A primeira vez que chorei lendo alguma coisa foi por conta do Quatro Estações, do conto que originou o filme Conta Comigo. O problema, digamos assim, é que li tanto, mas tanto dele até meus 20 anos que depois disso não consegui ler mais nada.
Ainda preciso fazer as pazes com o Stephen King, mas, como um meio de me reaproximar, fui curioso atrás do trabalho do Joe Hill.
Na época, o Joe Hill estava lançando o Heart-Shaped Box, que aqui no Brasil saiu com o nome de A Estrada da Noite.

Então, já ouvi falar no tal Stephen King (risos). Acho importante saber disso: em sua opinião, o Joe não segue apenas na carreira de escritor por causa da fama do pai? Pergunto isso por eles escreverem no mesmo gênero, etc.
EN – Essa pergunta é quase uma pegadinha. Porque o outro filho do Stephen King, o Owen Sking, também é autor. Se não me engano, lançou recentemente o primeiro livro em um gênero diferente.
Deve ser difícil ter uma inclinação para a arte, no caso a escrita, e não se deixar influenciar por um pai do calibre do King. Imagine, só. Seu pai é o Stephen King, é tarde da noite, você está sem sono na cama e ele chega dizendo: “vou te contar uma história”. Você começa a gritar e cai de sono antes da primeira linha.
O cara respira literatura 24×7 e acaba levando isso para os filhos.
Certamente o Joe Hill teve o primeiro contato dele com um editor e outros profissionais do meio de maneira mais simples do que outras pessoas. Então, sim, acho que o King é um bom culpado pela carreira do filho ter começado, mas isso não significa que ele não tenha talento por si só.
Os livros do Joe Hill têm sido bastante elogiados. No caso do Heart-Shaped Box, acho que tem um bocado de influência do King. Mas no Horns, que aqui se chamou O Pacto, já sinto um estilo próprio.

Owen King e Joe HillOs irmãos: Owen King e Joe Hill

Interessante. Não sabia que o King tem outro filho escritor. E me diga uma coisa, Eric, o que você diria que são as principais diferenças entre o Joe Hill e o Stephen King?
EN – Vou tentar responder, hein? Mas estamos comparando uma carreira de 4 livros com uma que vem desde a Biblioteca de Alexandria.
Acho que todo mundo conhece a lenda de como a carreira do King começou. Ele achou o original de Carrie uma porcaria, jogou no lixo. A esposa dele foi lá, salvou o texto e o resto é história. Isso aconteceu em 1974. Que foi a época da publicação do livro.
Em 1976, lá estava a Sissy Spacek esmagando o John Travolta no cinema. O filme é considerado um clássico e eu curto bastante.
Para situarmos isso no tempo (fora o fato de que a maioria das pessoas que lerão esse texto ainda não tinham nascido na época), isso aconteceu antes de Embalos de Sábado à Noite e Grease.
Então, o King tem 40 anos de biografia, mas ainda assim ele é o cara que ajudou a moldar o terror moderno. Mais tarde, ele experimentou outros estilos. O próprio Quatro Estações que citei anteriormente não é um livro de terror. Eclipse Total e Gerald’s Game são excelentes e estão mais para o suspense.
O Joe Hill é o cara que assistiu Embalos de Sábado à Noite.
Ele tem um jeito mais tranquilo de escrever, dá pra você sentir que ele se empolga com o texto, e isso acaba te levando.
No caso do Heart-Shaped Box, a sombra do King ainda é grande. Tem uma casa como cenário inicial, tem um fantasma psicopata, mas a presença de um personagem totalmente inspirado no Ozzy, dando um toque de humor num livro arrepiante, já é algo que não vejo acontecendo nos livros do King.
Pra fechar, tem outra coisa também. Pelo menos por enquanto o Hill está lidando com histórias mais pessoais, fugindo daquele xadrez de arquétipos que o King usa desde os primórdios.

Até o momento, li apenas um conto do Joe Hill, indicado por uma amiga. O conto se chama: Pop Art. Está no livro Fantasmas do Século XXI. E, engraçado, não achei uma história de terror. Não uma clássica, pelo menos. Fala de um menino que tem como amigo um “menino-balão”. E o conto é isso, aquela estranha relação de amizade, principalmente, no que seria a vida escolar de um menino nessas circunstâncias. Senti um pouco daquela habilidade do King de contar histórias de infância, como no conto Inverno da Inocência, já citado nesta entrevista. Mas ao mesmo tempo, era algo bem diferente, talvez mais atual. É mais ou menos isso que você quis dizer na sua resposta?
EN – O Joe Hill é totalmente imerso na contemporaneidade. Alguém pode dizer que, dãh, isso é meio óbvio, mas não é bem assim. Eu nunca vou conseguir entender alguém ansioso pelo novo single da Demi Lovato, por exemplo. Ela está aí, construindo carreira, aparecendo na mídia, e aquilo simplesmente não me diz nada. Por outro lado, fiquei empolgado quando o David Bowie lançou material novo.
Eu ainda vejo o King lidando com arquétipos que funcionam, já que eles servem pra isso e infelizmente são bem atuais, como a vizinha maledicente, o advogado que dá carteirada, o prefeito corrupto, a mulher religiosa que virou a curva do fanatismo, etc. Mas ele faz isso dentro daquela cidadezinha do interior que não mudou muito em 40 anos, enquanto o Joe Hill ultrapassa esses limites.
Outro ponto é que o Joe Hill pega pesado. O Heart-Shaped Box, em determinado ponto, aborda abuso sexual infantil. Então, em um paralelo, lá estava a Carrie sofrendo bullying porque ficou menstruada na frente das amigas em 1974, e aqui temos a personagem X do Joe Hill passando por uma situação bem complicada com o pai.
Também sinto um humor (paródia do Ozzy!) sutil no Joe Hill que não era muito a praia do King.
Podemos dizer que os dois lidam com questões sensíveis de modo parecido, mas que o Joe Hill tem algo mais sombrio dentro de si.
Cemitério Maldito é um bom livro, eu morria de medo daquele gato que volta dos mortos, mas acho que o King mantinha uma distância respeitosa da dor que ele estava abordando na história, o que é comum em best-sellers.
O Joe Hill atravessa essa fronteira e torna tudo mais pessoal.

Stephen King e Joe HillStephen King e Joe Hill

Esta relação “King-Hill” pode levar muitos fãs do pai aos livros do filho (ou afastá-los e deixá-los com ódio mortal de você, Eric). Então, queria saber por qual livro do Joe Hill você indica que o pessoal comece?
EN – Sim! Acho que vão me bater por conta dessas respostas. Dá pra escapar de algumas pedradas dizendo que existe uma influência inescapável, mas que eles são autores com propostas diferentes.
Embora não tenha sido a minha porta de entrada, eu indico o Horns/O Pacto. É um livro com um começo no melhor estilo A Metamorfose. O cara acorda de uma bebedeira com um par de chifres já no capítulo 1.
A história é mais ou menos essa: a namorada do protagonista é assassinada. Ele é acusado e se safa. Todo mundo acha que foi ele, apesar disso. Quando o chifre aparece, ele passa a saber os desejos mais perversos das pessoas.
E até influenciá-las a realizar esses desejos. Com esse dom, ele começa a investigar o assassinato da ex-namorada para descobrir quem é o verdadeiro culpado. Que pode ser ele, inclusive, já que ele não se lembra muito bem do que aconteceu na noite em que ela morreu.
É ao mesmo tempo um livro de investigação e um passeio delicioso por aquele lado que costumamos ocultar de nossas personalidades.
Pelo menos quando não somos o Hannibal ou o Dexter

Alguma coisa que deseje acrescentar sobre o Joe Hill?
EN – Quem quiser ter uma ideia do que esperar de um livro do Joe Hill, passe no site dele e dê uma espiada no ‘about’. Não leia nada, veja apenas a foto que ele escolheu. Tá, depois dê uma lida. Em 4 linhas dá pra entender direitinho como a cabeça dele funciona.
E só pra não deixar sem comentar, saiu livro novo dele esse ano. Se chama NOS4A2 e parece seguir a linha de temas pesados do anterior.



[1] Em O Pacto, de Joe Hill, o protagonista do livro começa a ter dois chifres crescendo em suas têmporas.

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