Um deles tinha uma delicadeza mordaz, que fazia com que a doçura das palavras terminasse pungente e dolorosa em cada frase. O outro, escolhia na objetividade e nas palavras aparentemente simples uma forma de construir sua sensibilidade. E além de serem gênios, foram melhores amigos. F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway fazem parte do grupo de escritores com quem eu, particularmente, adoraria ter saído pra tomar umas.
Quando Woody Allen criou Gil e suas peripécias, em Meia-noite em Paris, na verdade estava realizando um sonho secreto meu. E eu confesso que me realizei através do convívio via telona com dois dos maiores escritores da literatura norte-americana e, quiçá, até da literatura mundial. Mas fight literário é fight literário e, embora eu seja fã dos dois, o que temos que fazer aqui é discutir os méritos de ambos e ver se é possível escolher um só. Para ficar mais fácil, temos que fazer um sub-fight – se é que isso existe! Tem que ser obra-prima contra obra-prima. Tá preparado?
O grande Gatsby x O Velho e o Mar
O Velho e o Mar foi agraciado não só com o Pulitzer como com o Nobel. Já O grande Gatsby vendeu uma miséria na sua época de lançamento e só virou best-seller e romance cultuado depois que o autor morreu. Particularmente, a história de Gatsby me parece mais atemporal: o conflito de um homem que quer, no futuro, reconstruir seu passado e precisa materializar a isca em forma de dinheiro para atrair aquela a quem tanto ama – e pensar que todo esse apreço pelo status já era descrito em 1926; imagine o que ele pensaria de certos perfis do Facebook…
Já a história de Santiago, o homem que luta contra o tempo, contra a idade e contra a natureza em si é de uma força que te destrói – confesso que depois de ler uma vez, demorei anos para conseguir ler de novo, porque aquele final destruiu meu coração adolescente em mil pedaços. Hemingway não é, mesmo, leitura simples, ainda que as palavras pareçam ser delicadas e fáceis.
O decorador x O engenheiro
Ruy Castro, em junho, quando saiu a nova adaptação de Gatsby para o cinema, fez uma crítica mordaz ao filme, ao diretor (ao mundo, aos livros, etc…) e também fez uma comparação entre os dois amigos, dizendo que Fitzgerald era o decorador (por seu glamour ao escrever e até pelo próprio estilo de vida) enquanto Hemingway era mais denso, um pedreiro, engenheiro e construtor. Claro, eu acho extremamente pejorativo definir os dois com esse desdém velado. Acho que fica muito mais honroso à magnitude de ambos pensar que Fitzgerald é o tapa na cara fácil de lidar, que você agüenta de novo e de novo e, inclusive, aprende a gostar. Hemingway é a facada que demora pra fechar e deixa uma cicatriz pela qual você cria um enorme carinho.
Pessoalmente, gosto ligeiramente mais das minhas cicatrizes do que dos tapas que levei, embora ame os dois bizarramente. Mas, você sabe, cada um gosta de um tipo de violência literária. E gosto, não se discute.