Ouço muita gente dizer que não sabe como começar a escrever. Isto sempre me soa estranho. Fiquei muito feliz ao ler José e Pilar – Conversas Inéditas, de Miguel Gonçalves Mendes; em que Saramago quando indagado sobre seu processo criativo, afirmou que nunca tinha bloqueio, da mesma forma que jamais sentava para ter a ideia de um livro; ele simplesmente sentava e escrevia. Trabalho da mesma forma, embora não com o mesmo gênio, obviamente. Tenho uma ideia, anoto-a, de forma resumida; e a partir desta ideia central, vou tendo outras pequenas ideias que vão se agregando. Só então, começo a escrever.
Mas ao que se refere o título deste texto nada tem a ver com Saramago ou comigo. Trata-se de um dos trechos mais citados de Ernest Hemingway, presente no livro Paris é uma festa. Antes dos comentários, vale a leitura citada:
“Outras vezes, punha-me de pé e enquanto olhava os telhados de Paris, ia pensando: “Não te apoquentes. Sempre conseguiste escrever e agora há de acontecer o mesmo. Tudo o que tens a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreve a frase mais verdadeira que souberes”. Então, escrevia uma frase verdadeira e, a partir dela, lá arrancava. Aquilo era fácil afinal, porque havia sempre uma frase verdadeira que eu conhecia ou lera ou ouvira a alguém. Se eu começasse a burilar frases, ou a escrever como alguém que estivesse a apresentar um tema ou a fazer uma introdução a qualquer assunto, já sabia que teria de eliminar todos esses floreados, de rejeitar tudo para recomeçar com a primeira afirmação simples e direta que escrevera”.
Escrever uma frase verdadeira, como assim?
A escritora Francine Prose, em seu livro Para ler como um escritor, afirma que até hoje não entendeu a frase de Hemingway. Serei um pouco prepotente se dizer que a compreendo, mas acho que a simplicidade da afirmação contém uma compreensão intuitiva, difícil de ser verbalizada.
Contudo, a mesma linha de raciocínio que se aplica a esta frase, se utilizada noutro contexto, pode oferecer uma compreensão mais significativa. Digo a respeito de usar tal verdade na hora de escolher qual história escrever. Geralmente, quem escreve tem várias ideias de histórias diferentes, porém o tempo não permite que desenvolva todas. O critério que uso para decidir qual história escrever é qual destas histórias é a mais sincera e verdadeira dentro de mim? A partir daí, faço minha escolha. Talvez aí resida a “verdade” de Hemingway na hora de escolher uma frase verdadeira, que contenha uma verdade sincera, mesmo que somente para o autor.
E você, já teve dificuldades em encontrar esta frase verdadeira para começar uma história ou qualquer outro texto? Se não teve, já se deparou com uma frase que não fosse verdadeira, que ficou forçada?
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