O título do texto é uma constatação que venho fazendo ao longo de minhas leituras, e de minhas breves incursões também na escrita. Ao pararmos pra pensar no que consiste as histórias “ficcionadas”, o que se vê é um acordo. Dum lado está o escritor criando um mix de tudo aquilo que leu, viveu e observou para chegar à sua criação; doutro, está o leitor, que vai procurar acreditar no que se está escrito, mesmo que sua razão lhe negue, para que aquele universo ficcional lhe seja aceitável. Entretanto, há mais algumas implicâncias.
No livro Como contar um conto, Gabriel García Márquez fala de sua sensação após ter recebido o prêmio Nobel de Literatura:
“Eu nunca torno a ler meus livros depois de editados, com medo de encontrar defeitos que tenham passado despercebidos… E tem mais, sem falsa modéstia, quando fiquei sabendo que eles tinham me dado o Nobel, minha primeira reação foi pensar: “Eles acreditaram, porra! Caíram na minha lorota!”.
Sim, já sei, alguém dirá que este é o tipo de citação que não se coloca num texto opinativo, pois pode destruir a ideia romântica que os fãs têm do escritor. Já vou seguindo sem me desculpar, já que me interesso pela problemática humana, e o núcleo do que estamos falando é esta mentira que é aceita. Mesmo assim, a confissão de García Márquez intriga, levantando aquela expressão de “como assim ele falou isso”. Bom, para um mentiroso premiado por isso, o escritor colombiano agiu com sinceridade ao confessar sua reação.
Particularmente, sempre que me deparo com esta insegurança na hora de escrever uma história, vejo que é justamente esta questão que está em jogo, qual a minha capacidade de fazer com que esta ficção que estou escrevendo convença o leitor a assinar o acordo, aquele que já citei no começo do texto, de o leitor aceitar como possibilidade a mentira a ser compactuada.
E para os puritanos, profundamente incomodados com a expressão “mentira”, guardei um questionamento que levantarei agora. Pense neste contexto, você encontra o seu amigo que não vê há tempo, e vocês vão almoçar juntos; então surge o assunto da irmã dele que perdeu o marido; na versão do seu amigo, o marido da irmã foi morto ao voltar ao trabalho, depois de fazer hora-extra, ao levar uma bala-perdida; conquanto queira acreditar nele, você conhece outra versão da história, a de que o cunhado do seu amigo, na verdade, morreu baleado na cama de uma mulher casada, ao ser apanhado no flagra; as histórias se confundem; mas dum policial conhecido, você ouviu outra versão, a de que o marido traído havia sequestrado o marido da cunhada do seu amigo, e, depois de torturá-lo, havia o baleado. Então surge a pergunta, onde está a verdade? Este é um caso complexo, mas é uma história de meias-verdades, e o dito popular afirma que “uma meia-verdade é uma mentira”; logo, mesmo ao tentarmos a todo o tempo falarmos a verdade, estamos sempre a produzir versões dela, o que, possivelmente, não seria uma mentira?
Deixando de lado os dilemas éticos e voltando à literatura, proponho uma tentativa rápida de exame dos mecanismos que aprofundam este compactuar, escritor/público, mentira. O que me ocorre, a princípio, é que existam “pontos de ligação” entre o leitor e a história. Esta definição é ampla, mas algumas direções podem ser consideradas: 1) o leitor já passou pelo conflito interno que o personagem está passando; 2) ou imagina que possa passar por algo assim; 3) o desafio que se apresenta àqueles personagens pode ser parodiado para a vida do leitor; 4) as portas da aventura para alguém que tem de lidar com o cotidiano monótono; 5) a motivação que faltava para alcançar algo na vida, mediante a aceitação de que aquele desafio do personagem seja semelhante ou mais difícil que o seu; entre outros motivos que se poderia ficar listando aqui até cansar, se isto já não aconteceu.
O fato é que temos um fato, um desafio, e eu não estou mentindo. A ficção é um acordo que se bem feito os dois saem ganhando, tanto o escritor, por ver o reconhecimento da sua obra, como o leitor, pelo envolvimento neste mundo ficcional. Da próxima vez que você não gostar de um livro, pergunte-se se o motivo não está naquele livro não ter te convencido, pois certamente está aí o problema, o acordo não foi feito.