Especial Sci-Fi: Você já se perguntou se “Androides sonham com ovelhas Elétricas?”

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Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, agrada desde o leitor mais apaixonado pela evolução tecnológica e sua influência nos humanos, até aquele que busca conhecer diversos elementos narrativos

Philip K. Dick
Philip K. Dick, autor de “Os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”

A Terra, ah, tão devastada! Melhor não contarmos as tragédias, logo não sobrará muito dela para lembrar. Enquanto o fim do mundo não chega, temos sorte de encontrar livros de papel, e-books, smartphones, jornais de papel e outros lugares onde cabem narrações e, na falta de recursos parecidos, pessoas de carne e osso. Quem nos conta por meio de um livro da história a seguir é Philip K. Dick, e ele a nomeou com a pergunta: Androides sonham com ovelhas elétricas?

Acompanhamos Rick Deckard em um dia qualquer e ele desperta bem, ao contrário de sua mulher Iran. Ela não quer acordar e ele lhe sugere programar uma sensação mais favorável no sintetizador Penfield, mas ela recusa e o que deveria ser um diálogo matinal vira uma troca de acusações. Mas e daí, Deckard não precisa se importar com as grosserias dela, nem com o mau uso que ela faz do sintetizador de emoções (não era mais fácil escolher algo melhor?), tampouco com o estresse do trabalho, nada disso, pois ele sempre pode fazer carinho em sua linda ovelha. Que mal ela pode fazer? No máximo um balido azedo, mas basta passar a mão em sua espessa e bem cuidada lã e o (indício de) mau humor passa, tanto o dela quanto o de seu dono.

Quer dizer… é só uma réplica de ovelha. A imitação é quase perfeita, mas quem já viu e teve uma verdadeira conhece a diferença. Não é apenas “ter” o bicho de estimação no quintal de casa, é pelo seu valor. Vamos lembrar: a Terra foi quase totalmente destruída na Guerra e após o seu fim  os humanos remanescentes tiveram a opção de se mudar e muitos o fizeram; quem não quis teve de se sujeitar ao caos da Poeira. Entre quem decidiu ficar na Terra e tenta um conforto além da sobrevivência básica, ter um animal de estimação é sinal de prestígio, principalmente se for de verdade – todos podem comprar as imitações baratas do catálogo, e mesmo que tentem disfarçar os toques robóticos de uma réplica tudo acaba com um boato vizinhança afora (e ninguém precisa saber que a ovelha do Rick Deckard é uma imitação).

Como se a divisão entre Normais e Mutantes não bastasse, Rick Deckard tem também estas preocupações. O preço de um animal verdadeiro é caríssimo, e Deckard precisaria de uma sorte muito, muito grande para isso. Como uma vez no passado, ele se lembra, em que aposentou quatro andys em pouco tempo e ganhou uma recompensa generosa.

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“Os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” (Editora Aleph, 2014)

Em seu trabalho de caçador de recompensas, ele testa a empatia de pessoas suspeitas de serem andys, uma gíria para androides, e isso significa ter de afastá-los da sociedade “aposentando-os” caso se confirmem serem robôs perigosos, e isso é bem frequente em sua rotina. E apenas os seus testes e sua intuição o podem guiar nisso, pois os androides são criados de forma tão evoluída que logo se tornarão mais humanos do que os humanos.

E afinal, para quê pessoas na Terra se ela já está quebrada mesmo? Deixe-a com os robôs, mesmo sendo máquinas eles podem cuidar do resto do planeta e, com sorte, criar uma raça próspera e com uma empatia melhor, ainda que moldada em fábricas. Mas o protagonista de Os Androides sonham com Ovelhas Elétricas? não se incomoda com essa questão, uma das muitas possíveis.

Hoje considerada ícone dentro do que conhecemos por ficção científica, esta obra de Philip Kindred Dick contém elementos para todo tipo de leitor: do mais apaixonado pelo mencionado gênero, com a presença maçica da evolução tecnológica e sua influência nos humanos, ao leitor que busca conhecer mais elementos narrativos, pois Poeira e Guerra não estão grafadas assim à toa e auxiliam na imersão e àquele leitor que busca uma obra de cunho reflexivo, pois mesmo não gostando tanto desse tipo de viagem ficcional é muito difícil não se perguntar algo sobre os vínculos humanos após a leitura.

Um extra: esse livro é a origem do filme Blade Runner. O filme compartilha de algumas características do original e pode ser interpretado como um complemento do livro, um capítulo a mais para quem leu. Se o filme fosse mais ‘fiel’ seria outra experiência estética, não necessariamente boa, devido às diferenças de ritmos narrativos entre Blade Runner e Os Androides sonham com Ovelhas Elétricas? Mas não ter lido Androides não impede de aproveitar o filme, apesar do possível estranhamento para quem procurar o livro após o filme.

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