Seleta de Pedro Gonzaga é um convite às coisas verdadeiras
Colecionam-se coisas no exercício da leitura e da escrita, às quais se misturam tantas observações cotidianas que essas caminham juntas àquelas e nem há porquê separar uma da outra, e uma visita a essa coleção traz sensações novas ao notar as sensações catalogadas internamente.
Por “coisas” entendemos as crônicas da seleta O Livro das Coisas Verdadeiras, lançado pela Arquipélago Editorial em 2016. A coletânea de Pedro Gonzaga, cronista do jornal Zero Hora (RS), tem um toque de lembrança e de redescoberta, pois na visita à coisa chamada memória há o tom de o que aconteceu, graças ao registro publicado, e o que acontece, devido as observações do autor escritas após cada crônica, feitas especialmente para o livro.
Dessa forma resultam dois livros em um completando-se na reunião e na análise dos textos, pois em ambos acompanhamos o autor. Percebendo a própria relação com Porto Alegre enquanto envelhece, falando das promessas adiadas de novo para quinta-feira, do afeto estabelecido em viagens, das mãos do próprio pai e mistérios familiares quase insondáveis, buscas por assunto na escrita e prática enquanto músico, alguma comparação entre a busca por um par em outra época e hoje com o que chamou “aplicativos de acasalamento”, marcas do tempo do colégio e até sátiras impiedosas consigo devido à fisionomia. Todas essas coisas têm suas verdades reavaliadas pela combinação de dois olhares.
Um é o do próprio Pedro Gonzaga nas já mencionadas linhas após cada texto, crítico de sua escrita enquanto editor afetivo de suas memórias, às quais acrescenta linhas sobre a repercussão das publicações. Uma delas o rendeu dúzias de e-mails com respostas dos leitores do jornal sobre a experiência compartilhada, leitores se ofereceram para fazer com que sua crônica Alinne chegasse às mãos de uma atriz, e O Algoritmo Majestático foi a mais acessada das escolhidas para a coletânea em questão, para surpresa do autor: “o que importa mesmo é ter visto, graças a essa crônica, ser mais uma vez derrotada a afirmação de que os leitores querem textos fáceis” (p. 49).
Uma das características atribuídas ao gênero crônica é o tom de conversa franca com o leitor, sem o disfarce gasto da imparcialidade ou do mero acúmulo de informações, também permitindo identificação e participação do público, sejam pessoas em uma mesa de cafeteria ou comentários virtuais. O segundo olhar voltado às coisas verdadeiras desses textos é o do leitor, a quem o autor estende a mão e o espaço à cata de mais coisas para chamar de verdadeiras – e brincar com o uso de tal palavra em nova reorganização afetiva.