Publicado em 2015 pela editora Rádio Londres, Estação Atocha, de Ben Lerner, apresenta um transgressivo herói contemporâneo que desconhece suas conquistas envolto pelo cotidiano.
Ben Lerner
Nosso cotidiano não contém mais epopeias? Será que nos tornamos medíocres em relação a nossos antepassados? Talvez nosso dia a dia não contenha nada de novo ou especial?
Estação Atocha, de Ben Lerner, parece uma resposta a isso. Temos um protagonista que é um herói, faz coisas incríveis e excepcionais, age de forma imprevisível, mas ele mesmo se acha um impostor.
Adam Gordon é um bolsista de pesquisa em Madri, na Espanha. O projeto do americano deveria ser estudar a influência da guerra na literatura e, a partir disso, compor um poema longo sobre o momento atual. Apesar disso, Adam passa seus dias passeando pela capital espanhola, ou em seu apartamento vendo a luz passar pela claraboia, ou se drogando com haxixe, ou ainda pior, automedicando-se. Vez ou outra, escreve um poema, mas nada muito a sério. Uma das coisas que o admira é a relação de êxtase que certas pessoas atingem diante da arte. Como notamos no trecho a seguir, ele não consegue sentir nada disso:
Estação Atocha (Rádio Londres, 2015)
“O que realmente me interessava na arte era a desconexão entre a minha percepção das obras de arte físicas e as alegações feitas em nome delas. A sensação mais próxima de uma profunda experiência artística que eu tivera talvez tenha sido a vivência dessa desconexão, uma profunda experiência de ausência de profundidade.” (pg. 9).
E quando ele fala em “ausência de profundidade”, refere-se a si mesmo. Adam se mostra inseguro com o espanhol, simula expressões de acordo com o que deseja que as pessoas pensem de si, mesmo diante das amizades que faz, e chega a dizer que sua mãe está morta para angariar um pouco de atenção, para conquistar compaixão. Envolve-se com duas mulheres ao mesmo tempo, Isabel e Teresa. Não tem escrúpulos para manipular tudo a seu favor, restando apenas a culpa. Uma culpa que faz com que se sinta um impostor.
O fato é que temos um Dom Quixote às avessas aqui. Enquanto o engenhoso fidalgo é alguém que ama a literatura e não se importa de se tornar um impostor, um cavaleiro autoproclamado; Adam Gordon é sim um verdadeiro poeta, fala bem espanhol e conquista as pessoas, mas por acreditar que é incompatível com a arte, não consegue seguir à frente.
Neste herói mais que contemporâneo, vemos a resposta para nossa própria mesquinhez. Não é que nos falte trabalhos hercúleos ou tenhamos que enfrentar verdadeiras odisseias para conquistarmos algumas coisas, o que nos falta é a capacidade de enxergar nossos próprios feitos. Felizmente, no final de Estação Atocha, Adam é sacudido por uma de suas relações, empurrado para um evento do qual não pode escapar e acaba descobrindo quem realmente é.
Um romance que não poderia ser mais contemporâneo. Uma experiência poética e sobre a arte de sermos nós mesmos. Estação Atocha, de Bem Lerner.