“Ela viu que era humano, ou que havia sido”
A busca pelo prazer não tem limites. Menos ainda se for o carnal. Não apenas no sentido sexual, mas do tanto que pode habitar a pele, mesmo que nessa procura o gozo abrace a dor. Frank Cotton, personagem chave no livro Hellraiser, sabe disso.
Era só um nômade, vivia de bicos suspeitos apenas para manter sua jornada. Drogas e orgias perderam a graça para ele, e poderia ter se perdido se não fosse uma caixa. A chave para o paraíso, ele ouviu. Não tinha muito a perder se resultasse num fiasco. Ele aprendeu que a caixa invoca os cenobitas, criaturas que concedem o prazer supremo. Obedeceu os rituais e começou (muito incrédulo) a desvendar o enigma em suas mãos, até chamar as criaturas à Terra.
O problema foi isso ter funcionado. Os cenobitas não correspondiam a expectativa de Frank, mas ele se submeteu às experiências que eles proporcionaram – essas além de sua imaginação, tanto que o ‘´lider’ dos cenobitas não teve pudor algum de zombar dele – a imaginação macabra de um reles humano ingênuo perante as criaturas era pouco. Mas o que aconteceu com Frank não foi.
“Prazer era dor ali, e vice-versa. E ele o conhecia bem o suficiente para chamá-lo de lar.”
Após essa parte, a narrativa muda de personagens. Acompanhamos Rory Cotton, irmão de Frank sem contato com este há meses, e sua esposa Julia se mudando para uma casa velha, propriedade da família agora aos cuidados exclusivos de Rory, o irmão responsável que arrumou emprego formal, casou, domina seus impulsos, o tipo de cara que deu certo na vida – em sua própria visão.
Quase. O casamento não anda bem e o tapado não percebe, a nova moradia é uma tentativa de dar ordem à vida. Ele sente algo errado em Julia, ela parece fria, mal conversa com convidados na festa que ele dá em casa, Rory até pede para Kirsty, amiga de longa data, falar com ele, mas nada.
Impossível para Rory e Kirsty sequer imaginarem o que aconteceu com Julia, seria como falar de algo além de suas realidades tão comuns e até banais. Ainda mais quando o personagem apresentado no início do livro retorna de uma forma nada pacífica, mas ah, se fosse só uma briguinha entre irmãos. Isso também é coisa de criança perto do real.
É a primeira vez que Hellraiser chega em forma de livro no Brasil após a publicação em 1986, sob o nome The Hellbound Heart. O título Hellraiser é conhecido dos fãs de terror pois esta obra foi a base do filme lançado em 1987.
Há diferenças entre as duas histórias, ainda bem; a mais simples é Kirsty Cotton, amiga de Rory Cotton no livro e filha de um primeiro casamento dele no filme, personagem fundamental em ambos. Outra é a violência: o filme é pesado e fica difícil escolher ‘uma’ cena para contar; já o livro é um pouco menos, mas o impacto da violência escrita se iguala àquela do cinema.
Ambas narrativas se complementam e quem explorar as duas vai notar mais diferenças nos diálogos da película e nas entrelinhas do livro. Clive Barker, autor deste, colaborou na adaptação à tela, o que também ajudou o filme a se tornar um ícone do terror. Enquanto leitores ou telespectadores, temos duas opções seguras para uma boa história – os personagens delas, nem meia escolha. Melhor para nós.