A aclamada autora britânico-americana Nicola Griffith realizou uma análise com os últimos 15 anos de vencedores de cinco grandes prêmios literários. A matéria publicada pelo Guardian e agora traduzida pelo Homo Literatus mostra a descoberta da escritora: um romance tem maiores chances de vencer um prêmio quando o foco da narrativa é um homem.
Griffith se concentrou nos vencedores dos prêmios Pulitzer, Man Booker, National Book, National Book Critics’ Circle, Hugo e Newberry. Ela comparou o gênero dos vencedores ao dos protagonistas, descobrindo que, para o Pulitzer, por exemplo, “o total de livros vencedores escritos por mulheres e narrados do ponto de vista de uma mulher ou garota é de zero.” O prêmio Man Booker, entre 2000 e 2014, foi entregue a nove livros escritos por homens e com homens ou garotos como protagonistas, três livros escritos por mulheres sobre homens ou garotos, dois livros escritos por mulheres sobre mulheres ou garotas e um livro escrito por uma mulher sobre ambos. O prêmio US National Book, no mesmo período, pelo que Griffith descobriu, foi entregue a oito romances escritos por homens sobre homens, dois escritos por mulheres sobre homens, um escrito por um homem sobre ambos, três escritos por mulheres sobre ambos e dois escritos por mulheres sobre mulheres.
“É difícil fugir da conclusão de que, para os prêmios literários, quanto mais prestígio, influência e remuneração financeira você tem, menos é provável que o vencedor tenha sido escrito sobre personagens mulheres. Isso quer dizer que ou escritoras estão se censurando, ou aqueles que julgam o mérito literário de uma história acham que mulheres são assustadoras, de mau gosto ou chatas. Os resultados certamente discutem que a perspectiva feminina seja considerada desinteressante ou pouco merecedora de atenção. Mulheres parecem ter piolhos literários”, escreveu Griffith em um texto que ilustra sua análise por meio de gráficos.
“A instituição literária não gosta de livros sobre mulheres. Por quê?”, ela perguntou. “A resposta é de muita importância. Vozes femininas não estão sendo ouvidas. Mulheres compõem mais da metade da nossa cultura. Se metade dos adultos da nossa cultura não tem voz, metade de nossa experiência de mundo não está sendo abordada, fornecendo aprendizado ou oferecendo oportunidades de construção. Dessa forma, a humanidade é apenas metade do que poderíamos ser.”
A análise da autora chegou ao público ao mesmo tempo em que a edição de verão da revista voltada para escritoras Mslexia explorava a “ascensão silenciosa dos homens aos maiores cargos” das editoras inglesas. A especialista na indústria Danuta Kean mostrou como, desde 2008, as “mulheres no controle das três maiores editoras corporativa estão saindo de cena — e, em cada um dos casos, sendo substituídas por um homem.”
“Até certo ponto, a saída dessas mulheres reflete uma mudança de geração. Todas elas lutaram para chegar ao topo nos anos 80, e todas agora estão na idade de se aposentar. Porém, tendo em vista a enorme força de trabalho feminina em todos os outros níveis da indústria editorial, por que essas mulheres não estão sendo substituída por outras mulheres?”, perguntou Kean. Ela ainda cita Dotti Irving, chefe executiva da firma de relações públicas Four Colman Getty: “Não estou vendo a chegada da próxima geração de mulheres. É deprimente, mas é a verdade.”
Tendo em vista que mulheres são, de longe, o maior grupo de leitores, ter um controle feminino nas maiores editoras “causa um impacto não apenas no status, mas também na diversidade da ficção — e de outros livros — quando se trata da oferta para mulheres leitoras”, ela argumenta. Diz ainda que “não é uma coincidência que o período em que executivas determinadas estiveram em alguns dos maiores cargos no mercado editorial coincida com o período em que escritoras estão fazendo sucesso como nunca antes em prêmios literários. Os livros concorrentes aos maiores prêmios são inscritos por editoras, com um limite de dois ou três por editora — então é muito importante se esses livros foram escritos por mulheres.”
Ao observar a pesquisa de Griffith, Kean disse que “é um problema real no mercado literário como lidamos com o chamado ‘mercado doméstico’. Temos uma inclinação cultural esmagadora que vai contra as mulheres e contra o mercado doméstico, e não questionamos a presença dessa inclinação nos prêmios. Não estou dizendo que as pessoas têm preconceitos, mas todos temos inclinações inatas. Mulheres podem ser tão ruins quanto os homens nisso, e essa situação será traduzida em cada aspecto dos julgamentos que fizermos.”
Griffith, que já venceu uma série de prêmio pelo que escreveu, concordou com Kean. “Por que essa disparidade chocante existe, mesmo com tantas mulheres entre os juízes? Bom, na minha opinião, isso não tem nada a ver com o julgamento em si. Tem a ver com a cultura na qual estamos inseridos e que está inserida em todos nós, mulheres e homens. A perspectiva masculina ainda é a perspectiva real, o padrão. Vozes femininas são apenas detalhes.”
Griffith disse que notou a disparidade em premiados assim que se lançou na carreira de escritora. “Mas eram os anos 90, havia um certo otimismo no ecossistema editorial — aqui nos EUA, pelo menos. Livros por e sobre mulheres estavam começando a se dar bem. Pensei: ‘Ah, isso vai melhorar por conta própria.’ Mas então o cenário editorial mudou (corporativismo, consolidação, grandes franquias). Isso levou à escassez — menos editoras independentes e menos editores com gostos individuais, menos autores sendo promovidos pelos seus editores, menos compradores únicos em menos varejistas, menos espaço para resenhas. Escassez leva ao comportamento conservador.”
Mas Griffith disse que ela não vê seus resultados como deprimentes, mas sim como “um problema a ser resolvido”.
“Podemos consertar isso? Ah, podemos. Essa é a beleza dos dados de uma pesquisa: pessoas vão olhar. E, ao olharem, não poderão evitar a compreensão”, ela disse. “O que eu gostaria de ver são muitas pessoas — mulheres e homens — envolvidas em um acúmulo neutro e objetivo de dados. Muitos dados. Dados são a chave. Dados não culpam ninguém e nem apontam dedos. Dados não deixam ninguém na defensiva, não fazem com que pessoas se tornem obstrutivas.”
Reportagem original e na íntegra em inglês.
Tradução: André Caniato