Eu, Sinatra e Talese

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Gay Talese

Fiz aniversário na quinta-feira, 12 de dezembro. Vinte e nove anos. Se vivo, Frank Sinatra teria feito 98 anos. Em 1966, o jornalista norte-americano Gay Talese escreveu a reportagem “Frank Sinatra está resfriado”, que há dez anos foi escolhida como a melhor matéria da história da revista Esquire. Lá vai um trecho:

Sinatra estava doente. Padecia de uma doença tão comum que a maioria das pessoas a considera banal. Mas quando acontece com Sinatra, ela o mergulha num estado de angústia, de profunda depressão, pânico e até fúria… Porque um resfriado com um despoja Sinatra de uma jóia que não dá para pôr no seguro – a voz dele – , mina as bases de sua confiança, e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece provocar também uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham para ele, bebem com ele, gostam dele, pessoas cujo bem-estar e estabilidade dependem dele.

Talese escreveu sobre Sinatra sem ter podido conversar com o seu personagem. Mal-humorado e avesso a entrevistas, o cantor se negou a falar com o repórter, que observou o astro por dias a fio e manteve contato com pessoas ao seu entorno para poder compor o perfil, que se tornou um modelo de uma nova tendência da imprensa norte-americana no início da década de 1960, que ficou conhecida como Novo Jornalismo ou Jornalismo Literário. O fenômeno que se contrapôs ao jornalismo convencional, sustentado em “o quê, quem, quando, onde, como e por quê”, pode ser visto como um dos muitos espelhos do movimento de contracultura, que contestou padrões de caráter social e cultural vigentes à época.

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Autores como Truman Capote (A Sangue Frio), Joseph Mitchell (O Segredo de Joe Gould), Norman Mailer (A Luta), e Tom Wolfe (Ficar ou não Ficar) romperam com as ferramentas tradicionais do jornalismo, libertando-se dos cânones da concisão e da objetividade, e a fim de possibilitar aos leitores uma compreensão mais ampla dos temas e personagens retratados empregaram em suas reportagens recursos antes pertencentes à ficção, como a construção de cenas, a inserção de diálogos, o uso de diferentes pontos de vista e o registro de detalhes que revelassem traços da camada social e da personalidades das pessoas focalizadas pela reportagem.

Jornalismo pode ser literatura? Eis a questão. Há quem diga que sim; há também quem diga o contrário. Se ficarmos restritos às definições do dicionário talvez a resposta seja óbvia. Mas para ser literatura tem que ser necessariamente invenção? E se houver, além de informação, prazer estético na leitura de uma reportagem, como é que ficamos? Talvez na crônica, que é um gênero híbrido (meio, um; meio, outro) esteja a resposta. Vai saber.

A histórica reportagem Frank Sinatra está resfriado faz parte do livro Fama e Anonimato (Companhia das Letras, 2004). Certa vez perguntaram a Talese como poderia descrever os pensamentos de seus personagens. Ele respondeu: “Simples, eu perguntei”.

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