Eu versus Ernest Hemingway

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Ernest Hemingway, em 1944. Fotografia: George Karger.

Contando ninguém acredita. Mas certas coisas só acontecem comigo.

Sabe aquele conto do Old Buk, em que Henry Chinaski nocauteia Ernest Hemingway? Eu tinha acabado de relê-lo. Sabe o Clube da Luta: aquele filme que Tyler Durden, interpretado por Brad Pitt, diz que gostaria de ter como oponente o autor de Adeus às Armas?Eu assisti em seguida. Entre uma e outra atividade, enxuguei meia garrafa de vinho barato, desses comprados em supermercados, e depois fui dormir.

Rolei na cama até pegar no sono, quando enfim adormeci, ela havia se transformado num ringue. E no corner, à direita, lá estava ele: Ernest Hemingway. Não na versão que participou da I Guerra Mundial como motorista de ambulâncias da Cruz Vermelha e saiu ferido do conflito, mas na do velhinho, de cerradas barbas brancas, que escreveu O velho e o Mar. E eu ainda perplexo me dei conta que também estava vestido para o combate: protetor bucal, luvas de boxe, calção e botas.

O gonzo soou. Hemingway veio em minha direção, muito rápido para um sexagenário. Aquilo não estava acontecendo. PQP. Foi por um triz. No puro reflexo, desviei de um gancho. Mas lá estava ele de novo. Golpes secos e duros, que me faziam recuar. Ele lutava como escrevia e vice e versa. Eu estava frito, mas precisava contra-atacar. Eu não iria bater num velhinho. Eu não iria socar a cara de Ernest Hemingway. Por que não morder uma orelhinha?

Foi aí que me dei conta que não estávamos sozinhos. Nas arquibancadas, Old Buk e uma garrafa de uísque; Norman Mailler, tomava notas num bloquinho de papel e Zelda Fitzgerald, histérica, me incentiva a quebrar a cara de seu desafeto. Fui de jap, para medir a distância e ganhando terreno consegui acertá-lo num direto, levando-a lona. Em êxtase ergui os braços e urrei. A esposa F. Scott aplaudiu felicíssima.

Ainda podia sentir a minha direita latejando, só que a alegria durou pouco. Hemingway estava de pé. Já não era o velhinho, que se exilou em Cuba. Estava mais jovial. No entanto, não foi difícil derrubá-lo outra vez – com um baita direto. Eu começava aprender a coisa. Mas outra vez ele rejuvenesceu. Agora, usava aquele bigodinho ridículo, da Guerra Civil Espanhola. Ele estava mais ágil, imponente. Será que eu não teria a mesma sorte de Henry Chinaski? Foi assim que comecei a perder o combate.

Ele batia forte, me encurralou no corner, mas também soltei a mão, encaixei até um cruzado, sem o efeito esperado. Fomos para a trocação. Eu queria o fim do round ou acordar. Old Buk prendeu a respiração, Mailler ergueu os olhos e Zelda se retirou quando pela minha guarda entrou um upper, que me fez despencar como alguém que acabara de receber trágicas notícias. Beijei a lona.

Quando acordei de sonhos intranquilos, o meu queixo doía à beça!

Davidson Davis
É repórter, cineasta e escritor sacana.
Davidson Davis
É repórter, cineasta e escritor sacana.
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