Fernando Bonini, uma vida intensa como roteiro de HQ

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Fernando Bonini, uma vida intensa como roteiro de HQ
Foto: arquivo pessoal Franco de Rosa

De tantos roteiristas e desenhistas de Histórias em Quadrinhos no Brasil, chama a atenção a vida incomum, ou comum demais a alguns, de Fernando Antonio Bonini da Silva ou simplesmente, Fernando Bonini.

Nascido em Niterói, RJ, a 17 de Setembro de 1955, Bonini destacou-se no meio artístico de sua época, como um dos principais desenhistas da Disney no Brasil, tendo em seu portfólio artes de Zé Carioca e Urtigão. Isso apenas para ilustrar uma pequena parte de sua trajetória, pois, dada a sua importância artística, a lista é bem longa e produtiva para quem, enfim, viveu apenas 50 anos de vida.  

 

A formação de Fernando Bonini

“Sacarrolha” da Rio Graf Editorial: Bonini trabalhou como assistente de arte de Primaggio Mantovi

Artista talentoso, não custa enfatizar, foi descoberto aos quinze anos, por Primaggio Mantovi, ilustrador e quadrinista italiano, chegado ao Brasil após a 2a. Grande Guerra. Bonini, por esse período, tornou-se pupilo de Mantovi na RGE (Rio Gráfica Editora), onde era por ele orientado em desenhos do Recruta Zero, Sacarrolha e Sítio do Pica Pau Amarelo.

Da RGE, Bonini foi para a Vecchi, e na Revista Specktro, colocou seus primeiros trabalhos autorais, histórias de terror e humor negro. Todavia, seu espírito inquieto, não sossegava e Bonini, não demorou muito no “conforto” de um trabalho fixo. Vivia para lá, para cá num esforço contínuo em manter-se alheio ao apego.  

 

A arte X a vida de Fernando Bonini

Porém, em relação a Bonini, o que mais impressiona é a sua incapacidade de viver “aprisionado”… Bonini queria a liberdade ampla e heterogênea das ruas, sob a luz do céu, fosse de dia ou noite, mesmo sofrendo muitas vezes, com a fome e o frio. Feito cão sem dono, vagava delirante por aí, sem querer companhia, a não ser, por vezes, das prostitutas.

Quase sempre acabava assaltado nessas andanças erráticas, possivelmente lunáticas; seu desprendimento era tanto que chegou a dormir em um fiat abandonado, em São Paulo. Não tinha dinheiro, não tinha casa e quando tinha algum dinheiro, gastava tudo ou era assaltado, quando tinha casa, levava as mulheres para dentro, era  assaltado ou perdia as chaves; não achava desculpas para dar aos amigos por esses entraves, mas prometia intimamente que isso não mais iria acontecer, promessa que durava tão somente ao recebimento do próximo maço de notas a ser pago por algum novo trabalho.

Enfim, viveu por muito tempo como indigente sem se incomodar com isso (ou assim se pensa); vez por outra, “incomodava” somente alguns amigos, a pedir ajuda, fosse com trabalho ou um lugar quente.

Imaginar uma pessoa desse calibre e suporte artístico raro, como um ser maníaco depressivo, ou totalmente enlouquecido, deixa-nos a pensar a quantas coisas a mente pode abarcar sem sofrer, sem sentir dor. Quase impossível. Bonini prezava tanto a liberdade individual, a ponto de perder-se no mundo, esquecendo-se, de certa maneira, até de si mesmo. Depois do fim da RGE e da Vecchi, porém, Bonini mudou-se para Curitiba, reconstruindo, aí, a carreira sólida, promissora, mas o Blues que guardava por dentro de si o testaria, levando-o, enfim, ao limite da exautão.    

Entre os anos 70, a década em que o desenho começou a se acomodar aqui, de forma profissional, e os loucos anos 80, Bonini, com um ou outro destempero de quando em vez, respondeu bem à vida em sociedade, chegando até a morar perto de outros colegas, em Curitiba, novo polo produtor de HQ’s, em um lugar conhecido então como “Vila dos Artistas.”

 

O fim do artista, mas não de sua arte

Fernando Bonini, se ria da vida, apesar de todos os percalços mesquinhos, violentos com que foi tratado por ela ou pelo qual ele a tratou. A vida e Bonini eram como aquele casal que se estapeia, mas se ama muito (se isso é possível). Quero dizer com isso que Bonini, em sua busca por liberdade, talvez somente fugisse. O que se sabe com certeza é que, no fim de 1998, Fernando Bonini, veio parar nas ruas de São Paulo; aquele ser melancólico, incapaz de se deleitar com a música, já que ela lhe punha tristezas intraduzíveis, andou a vagar sozinho, por dias e noites sombrias… Volta a desenhar, entretanto, dessa vez, para estúdios independentes; é quando O Rei Leão e o Pica-Pau, entram na longa e brilhante lista de arte de seu portfólio. Foi o jeito, já que os quadrinhos eróticos, mais um dos talentos de Bonini, (conheçam o Zé Mandioca, uma paródia erótica do Zé Carioca, sua obra mais famosa nesse campo), começam a declinar no mercado.

Na Editora Abril, Bonini desenhou diversas histórias: até 1998, ele foi o principal desenhista do Zé Carioca

Em mais uma de tantas aventuras estranhas, Bonini segue para o meio do mato, com uma seita messiânica. Todavia, uma batida policial, gente presa, inclusive os cabeças da seita, fazem Bonini voltar às ruas. Doente, abatido, desnutrido e cego de um olho, Bonini, graças a um bigode que tinha, perde o ar de bandoleiro zapatista: agora é só mais uma figura fantasma com a qual ninguém se importa a vagar pela cidade. O álcool é seu último recurso a acompanhá-lo na solidão.

Finalmente, em 2005, Bonini, de sua vida nômade e desregrada, vem a falecer em Valinhos, interior do Estado de São Paulo. Praticamente acabara de completar 50 anos. Morreu só, em um quarto de pensão. Morreu dormindo; um coração falido, uma mente em prece e uma alma em fuga.       

      

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