A vida e obra de Flaubert, para você saber tudo sobre o escritor francês.
Biografia
Gustave Flaubert nasceu em Rouen, na França, em 1821. Foi um dos seis filhos de uma família burguesa, cujo patriarca era cirurgião-chefe do hospital local. O acompanhamento do trabalho do pai no hospital fez com que o escritor adquirisse noções de medicina, conhecimento que utilizou em algumas de suas obras posteriormente. Já na adolescência, quando estudou no Colégio Real, demonstrou interesse por literatura e teatro: dirigiu o seminário escolar Arte e Progresso e compôs o drama em cinco atos Luís XI. Em 1837, escreveu seu primeiro romance, Rêve d’enfer, o qual, apesar de ainda imaturo, contém algumas características que marcariam sua literatura, especialmente no que se refere à construção da heroína. É também na adolescência que o artista se apaixona por Elisa Schlésinger, esposa de um editor de música. A paixão, de caráter platônico, só foi declarada cerca de trinta anos mais tarde, quando ela se tornou viúva – a declaração foi feita por carta. Elisa serviu de inspiração para as personagens das obras Mémoires d’un fou (1838), Novembre (1842) e as duas versões de Éducation Sentimentale (1845/1869).
Desde a infância, Flaubert manifestava um temperamento melancólico, pessimista e observador. Quando adolescente, ele se identificou com a exaltação romântica e a literatura de René de Chateaubriand (1768-1848). Pressionado pelo pai, decidiu estudar Direito na Universidade de Paris. No entanto, sem interesse pela área, passou a levar uma vida boêmia e frequentar a casa do escultor Pradier (1790-1852), convivendo com os escritores românticos em voga. Flaubert foi, então, reprovado nos exames da faculdade e desenvolveu uma doença nervosa, provavelmente epilepsia. Durante o retiro em sua propriedade para recuperar a saúde, passou por uma fase difícil na vida pessoal: perdeu seu pai e sua irmã e viu seu cunhado enlouquecer. Entre os anos 1849 e 1852, o escritor viajou com o amigo Maxime du Camp, jornalista, para o Oriente, tendo visitado Egito, Jerusalém, Constantinopla e parte da Itália. Assim, adquiriu referências para seu romance histórico Salammbô (1862).
Na volta da viagem, ele decidiu se tornar escritor em tempo integral e se isolou novamente em seu sítio, ficando conhecido como o “urso de Croisset”. Sua vida pessoal resumia-se aos encontros com os amigos, em especial o poeta Louis Bouilhet (1822-1869) e seu relacionamento com Louise Colet (1810-1876), mulher mais velha, separada e mãe, de personalidade bem diferente da de Elisa – a relação durou 25 anos.
Em 1851, deu início à escrita de Madame Bovary, sua obra prima, que demorou 5 anos para concluir. O romance chocou a sociedade da época por abordar temas como o adultério e o suicídio, além de expor duras críticas à burguesia. Em 1857, com a publicação do livro, Flaubert sofreu um processo no Tribunal de Paris por ofensa à moral pública e religiosa. Com o apoio de amigos e sua própria defesa célebre em que declarou que “Madame Bovary sou eu”, o artista foi inocentado.
Em 1866, recebeu a Ordem Nacional da Legião de Honra do governo francês. Ficou muito triste com o fracasso da reedição de Éducation Sentimentale (1869), La Tentation de Saint Antoine (1874) e de seus escritos dramáticos (Le Candidat, 1874), além da morte de sua mãe e de alguns de seus amigos queridos, como Bouilhet, Sainte-Beuve (1804-1869), Goncourt (1830-1870) e George Sand (1804-1876). No fim de sua vida, enfrentou dificuldades financeiras, após ajudar uma sobrinha à beira da falência. O sucesso de seu livro de contos Trois Contes (1877) o reconfortou, assim como a ascensão literária de seu discípulo Guy de Maupassant (1850-1893) e a admiração da geração naturalista representada por Émile Zola (1840-1902), que realizou um jantar em sua homenagem. Em 1880, morreu subitamente, em decorrência de um possível AVC. Foi sepultado no cemitério de Rouen, rodeado por seus principais familiares e amigos da classe artística. A narrativa satírica Bouvard et Pécuchet, em que estava trabalhando, foi editada e publicada postumamente por sua sobrinha em 1881.
Principais Obras
Madame Bovary
Considerada sua obra prima, o romance foi publicado em 1856 na Revue de Paris e, no ano seguinte, lançado em dois volumes. A história da romântica e contraditória Emma Bovary é classificada como inauguradora do Realismo e inspirou outros clássicos como O Primo Basílio, de Eça de Queirós, e Ana Karenina, de Tolstói, além de várias adaptações ao cinema. O recurso do estilo indireto livre é bastante utilizado no romance, dando voz aos pensamentos e sentimentos de Emma, Charles, Rodolphe e Léon. Temas como o adultério, o suicídio, o falso cientificismo e a burguesia tediosa e interesseira são retratados no livro, que tem como subtítulo Moeurs de Province (Modos da Província).
Salammbô
Neste romance histórico sobre as guerras púnicas em Cartago, cuja produção foi iniciada em 1863 e a publicação se deu em 1869, também há características importantes do estilo de Flaubert, como a descrição detalhada e realista. Salammbô é uma personagem baseada na documentação do historiador grego Políbio (203 a.C. – 120 a.C.), filha de um general cartaginês prometida a um guerreiro numídio. A obra foi um sucesso de público e crítica.
Éducation Sentimentale
Romance também bastante consagrado, A Educação Sentimental possui duas versões, uma mais imatura e impulsiva, redigida em 1845 e uma reedição melhor trabalhada, publicada em 1869. Nele, é retratada a Revolução de 1848 e a trajetória do ambicioso Frédéric Moreau, que vive um romance de idas e vindas com uma mulher casada. Além de abordar as perspectivas histórica e política, a obra explora a volubilidade do caráter humano, pois Frédéric muda de lado de acordo com o que lhe convém.
Trois Contes
As três novelas que compõem esta obra foram publicadas em formato de episódios em jornais e reunidas em livro, em 1877. O primeiro conto, Un Coeur Simple (Uma Alma Simples) se passa na época contemporânea ao escritor e retrata a vida sofrida de uma empregada, Félicité, que dedica toda sua vida a uma família e morre miserável, com a única companhia de um papagaio. La Légende de Saint Julien l’Hospitalier (A Lenda de São Julião Hospitaleiro) se passa na Idade Média e conta a lenda de São Julião, que, amaldiçoado a assassinar seus pais, faz de tudo para se redimir de seu erro e passa a ajudar os viajantes num trajeto perigoso, oferecendo abrigo e alimento. Hérodias (Herodíade), que se passa na época antes de Cristo, adapta a história de Salomé, filha de Herodíade, que pede a cabeça de João Batista a Herodes Antipas após uma dança. O crítico Michel Tournier considera que cada um dos contos se aproxima de uma obra de Flaubert, associando Un Coeur Simple a Madame Bovary, Saint Julien a La Tentation de Saint Antoine e Hérodias a Salammbô.
Estilo
Se, na adolescência, Flaubert possuía um ritmo de trabalho mais impulsivo, na fase madura, ele passou a se dedicar integralmente à literatura, revisando diversas vezes sua escrita; portanto, demorava anos a fio na produção de seus romances, sem descanso. Por essa busca pela perfeição formal, pela “mot juste” (palavra certa), o autor se aproxima um pouco do estilo parnasiano. Apesar de frequentemente ser classificado como realista, Flaubert criticava o movimento e se associava mais a escritores românticos e naturalistas. Mas ele também era contra o ultrarromantismo, alienado e pouco crítico. Segundo a definição do crítico Émile Faguet:
Havia em Flaubert um romântico que achava a realidade rasa demais, um realista que achava o romantismo vazio, um artista que achava os burgueses grotescos, e um burguês que achava os artistas pretensiosos, tudo isso envolto por um misantropo que achava todos ridículos.
Ciente de suas próprias contradições, o escritor confessou, nas suas memórias:
Há em mim, literalmente falando, dois homens diferentes: um que é apaixonado pela retórica, pelo lirismo, pelos altos vôos de águia, por todas as sonoridades da frase e por idéias altas; um outro, que vasculha e escava o real tanto quanto pode, que adora mostrar o detalhe de modo tão poderoso quanto o grande fato, e que gostaria de fazer com que sentissem quase que materialmente as coisas que ele reproduz.
Flaubert mistura, portanto, um culto pela beleza da arte pela arte, uma tentativa de objetividade e imparcialidade na narração, um gosto pela ciência, um espírito crítico ferrenho e uma alma sonhadora. No fundo, é um realista romântico ou um romântico realista, com uma pitada de parnasiano.
Uma das marcas do estilo flaubertiano é o fluxo de consciência, que permite conhecer mais a fundo a psicologia dos personagens, recurso muito utilizado na literatura desde então. Em seus romances e contos, prevalece uma perspectiva pessimista, tanto em relação à vida em si quanto em relação à personalidade dos seres humanos, volúveis, indecisos, ingênuos ou corruptos demais, sempre imperfeitos e, em geral, infelizes.
Curiosidades
Amigos e Seguidores
– Louis Bouilhet (1822-1869) – poeta romântico / parnasiano;
– Sainte-Beuve (1804-1869) – escritor e crítico literário biografista;
– E. e J. de Goncourt (1822-1896) – escritores naturalistas;
– George Sand (1804-1876) – pseudônimo de Amandine Dupin, escritora feminista;
– Émile Zola (1840-1902) – escritor naturalista;
– Guy de Maupassant (1850-1893) – escritor realista / naturalista / fantástico;
– Victor Hugo (1802 – 1885) – escritor romântico;
– Maxime Du Camp (1822-1894) – jornalista e crítico literário;
– Charles Baudelaire (1821-1867) – poeta simbolista / modernista;
– Alfred Le Poittevin (1816-1848) – poeta e advogado;
– Honoré de Balzac (1799-1850) – escritor realista.
Inimizades e Antipatias
– Alphonse de Lamartine (1790-1869) – poeta romântico;
– Jules Sénard (1800-1885) – advogado e político conservador.
Frases
– “Tenha cuidado com a tristeza. É um vício.”
– “O estilo está nas palavras e dentro delas. É igualmente a alma e a carne de uma obra.”
– “Seja metódico e organizado em sua vida como um burguês, para poder ser violento e original em sua obra.”
– “Talento é paciência sem fim.”
– “A moral da arte reside na sua própria beleza.”
– “O sucesso é uma consequência, não um objetivo.”
– “Faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando não se pode ser soldado.”
– “O autor, na sua obra, deve ser como Deus no universo, presente em toda a parte, mas não visível em nenhuma.”
– “A gente não escolhe o próprio assunto. Eis o que o público e os críticos não entendem. O segredo das obras-primas está nisso, na concordância do assunto com o temperamento do autor.”
– “Salvo se formos cretinos, morremos sempre na incerteza do nosso próprio valor e do da nossa obra.”
Referências Bibliográficas
Lagarde et Michard – XIX siècle