Fogo-fátuo, de Patrícia Melo, tem protagonista mulher, chefe em setor de perícias e apresenta temas como violência, machismo e sensacionalismo da imprensa
O nome de Patrícia Melo, escritora brasileira, tem sido associado à literatura policial há alguns anos. Muito possivelmente porque suas obras costumam apresentar questões relacionadas à violência e o crime, como o livro Inferno (2000) e O Matador (1994). Apenas no livro Fogo-Fátuo (2014) é que podemos observar algo situado na literatura policialesca. A própria autora, em uma matéria na Folha de São Paulo, declara que escreve literatura policial.
Em Fogo-Fátuo a protagonista é Azucena, chefe do Setor de Perícias da Central Paulista de Homicídios. Seu trabalho é lidar com mortos. Mortes que, na maioria dos casos, são marcadas pela violência, elemento apontado como parte do cotidiano de São Paulo. No livro, a perita trabalha na investigação da morte do famoso ator Fábio Cássio, em pleno palco. O caso envolve muitas mentiras, dissimulações e intrigas, até mesmo de familiares.
Além desse caso, Fogo-Fátuo pontua questões acerca do machismo no mundo policial, ambiente de trabalho de Azucena, e também há críticas sobre a mídia de modo geral, seu sensacionalismo e suas apelações. Sem falar que, enquanto tenta resolver o caso, a protagonista vivencia problemas sérios no casamento, o que quase gera brigas judicias.
Violência no livro de Patrícia Melo
Falar que violência é algo presente em Fogo-Fátuo é algo esperado. O ambiente de trabalho de Azucena lida com essa matéria brutal que é a violência em crimes. Mais do que nos envolver o leitor no caso da morte de Fábio Cássio, ator repleto de problemas pessoais e com a imprensa, o romance policialesco apresenta a rotina em uma central de perícias.
Azucena, sua equipe e demais colegas de trabalho investigam a morte do famoso ator com disciplina. O ator morreu no meio de uma peça, na qual ele, enquanto personagem, cometeria um suicídio. O problema que é havia uma bala na arma e ele acabou morrendo em cena. A equipe investiga a morte de Fábio. Foi um suicídio mesmo? Alguém se encarregou de colocar uma bala na arma para o ator se matar? Se esta última questão é verdadeira, quem queria matar o ator e quais eram seus motivos? Nesse caso, a morte configura-se como assassinato, ato muito violento.
Além desse caso, os profissionais da Central trabalham em outros casos, nos quais a violência é apresentada de modo explícito. Há casos de estupros sendo investigados e todos ocorreram de maneira semelhante. E há chacinas acontecendo, como a morte de policiais.
Nos jornais, impressos e televisivos, a mídia dá espaço aos casos, mas de modo sensacionalista, fazendo espetacularização.
Machismo na rotina de trabalho de Azucena
Não é de se espantar que o ambiente de trabalho de Azucena é composto por muitos homens. E também não é de espantar com o fato de que o mundo policial é ainda muito machista. Na Central de Homicídios, nome que a protagonista usa, há machismo e boçais, também de acordo com Azucena.
Percebemos, com a leitura do romance, que os homens que trabalham com ela se enxergam superiores e mais capazes do que mulheres para exercer determinadas funções. Homens que acham que o mundo da perícia, ou mundo policial de modo geral, não é para mulheres.
Azucena sempre coloca que o olhar do outro, homem, a incomoda. Sempre a olham como se ela devesse ser poupada em situações diversas, muitas de violência constante, como estupros e pedofilia – temas presentes em Fogo-Fátuo também. Olham pra Azucena e às vezes a tratam como se ela fosse frágil. No entanto, com o desfecho dos casos investigados e da obra, percebemos que Azucena é mais forte do que muitos de seus colegas.
A crítica à imprensa em Fogo-Fátuo
Uma das coisas mais notáveis no livro de Patrícia Melo é como a imprensa é apresentada. É sensacionalista e vive às custas da espetacularização da vida de famosos. Manipula a população, distorce frases e depoimentos, noticia mentiras.
Como o livro gira entorno da morte do famoso ator Fábio Cássio e a mídia busca o tempo todo saber sobre o andamento do caso, pelas mais diversas pessoas, tais como: a mãe do ator (Olga), a tia (Thelma), a ex-esposa (Cayanne).
A aspirante a celebridade, Cayanne, no momento da morte do ator, participa de um reality show com premissa bizarra. Esse reality show explora a morte do ator para ter audiência. Do mesmo modo, segue a mídia de modo geral, jornais e programas de entrevistas.
Além disso, surge até mesmo um maluco querendo assumir que assassinou o ator, pois assim poderia atrair a atenção da mídia – coisa que vivia buscando. Evidentemente, a mídia deu atenção ao homem, falou com sua mãe e tudo o mais.
No livro, a imprensa é colocada como uma corja de urubus. Uma imprensa brasileira com desprendimento crítico e sem compromisso com fatos reais. O que quer somente é ibope, audiência e vendas, porque é o dinheiro que move o mundo da infâmia midiática.
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