Em “A Cidade do Sol”, acompanhamos a trajetória de duas mulheres que lutam pela sobrevivência durante o regime Talibã.
O contexto
Recentemente, me deparei com uma notícia muito triste, que deveria ser motivo de luto e revolta para todas as mulheres do mundo, independente da nacionalidade ou da idade. O Talibã ordenou, neste mês de maio, que as mulheres afegãs voltem a usar burca, obrigatoriamente cobrindo da cabeça aos pés. Este é o decreto mais severo de controle da vida das mulheres que o Talibã institui desde que retornou ao poder do país em agosto de 2021.
Além do rigoroso código de vestimenta, os opressores também restringiram o acesso de meninas à educação. Nahid Farid, ex-parlamentar afegã e ativista dos direitos das mulheres, chamou a nova lei de “símbolo do apartheid de gênero”, segundo a reportagem da UOL notícias.
A obra
Essa notícia me fez lembrar de uma obra literária riquíssima que li há alguns anos, reli recentemente e que merece ser lida mais 100 vezes por todos nós, mulheres e homens.
“A cidade do sol”, escrito por Khaled Hosseini – autor também de “O caçador de pipas”–, em 2007, é o segundo livro de sucesso do autor. A narrativa nos leva para o Afeganistão de meados das décadas de 70 e 80, cobrindo o período de invasão soviética no país até a ascensão do Talibã ao poder.
A história
Na primeira parte da história, somos apresentados à Miriam, uma jovem de 14 anos que morava com a mãe solteira em um casebre nas redondezas da cidade de Herat. Nesse momento, a República Afegã havia acabo de ser instaurada. Mas, enquanto a população comemorava, Miriam sofria uma grande reviravolta em sua vida. Por ser uma Harami (bastarda) de origem muito humilde, após a morte súbita da mãe, ela se viu sem uma família que a acolhesse. Logo, é forçada pelo pai biológico – e ausente – a se casar com Rashid, um homem desconhecido e vinte anos mais velho, e com ele vai morar em Cabul. Vivendo com o marido, Miriam passa a enfrentar um inferno, com estupros, agressões constantes, cárcere privado e diversos abortos espontâneos. Além disso tudo, é obrigada por Rashid a usar uma burca, mesmo isso ainda não sendo um decreto do governo.
Na segunda parte do livro, conhecemos a história de Laila, uma jovem instruída, filha de professor, que desde cedo aprendeu que a vida da mulher vai muito além do que se casar, ter filhos e cuidar da casa. Mas, durante a guerra contra os invasores soviéticos, Laila vê sua família morrer e seu único amigo Tariq fugir do país para morar no Paquistão. Porém, antes de se separarem, os dois adolescentes conceberam um bebê. E, para se proteger, Laila precisou se casar também com Rashid e fazê-lo assumir a criança pensando que era seu.
Dessa forma, as vidas de Miriam e Laila se cruzam. Então, as duas passam a enfrentar juntas uma trajetória de luta, superação e apoio mútuo, cercadas pela violência dentro do casamento com Rashid, pela destruição da guerra e a instauração do terrível e opressor regime do Talibã.
Conclusão: as mulheres da vida real
Apesar de todas as adversidades e tristezas que este livro narra, a união de Miriam e Laila é inspiradora. Trata-se de duas personagens femininas fortes e resilientes. Elas superaram todo o sofrimento, humilhação e agressão que a vida, o casamento e o governo lhe impuseram simplesmente por serem mulheres.
A história é fictícia, mas quantas Miriams e Lailas anônimas podemos encontrar por aí? Incontáveis!
Khaled Hosseini nos traz um romance pesado e cruel, mas puramente verdadeiro. A obra mostra a nós do Ocidente uma triste realidade, que não nos permitimos enxergar no dia a dia. Existem milhares de mulheres no Afeganistão que vivem suas vidas na base da luta silenciosa e da resistência.
Créditos HL
Esse texto é de Gabriela Guratti, teve revisão de Evandro Konkel e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.