Galveias é um convite ao recolhimento no panorama rural
De início, a narrativa vai até o espaço para acompanhar a descida da “coisa sem nome”, a velocidade é impossível, o sentido é reto. Planetas, estrelas e cometas testemunham a travessia alucinada. Nosso Planeta Terra, distraído com as rotações e translações rotineiras, se mete no caminho do objeto inominado. Até podia ser uma queda mais espetaculosa: o alvo não foi Nova Iorque, Londres, Paris, a viagem de velocidade desmedida teve como mira Galveias, uma pequena e bucólica cidade do interior de Portugal.
O pânico e a curiosidade cercam o local da explosão, mas depois as pessoas seguem a vida, e o que permanece do episódio é só o sólido cheiro de enxofre, que estará sempre a flutuar ao redor das várias histórias que compõem o livro, são histórias que de uma forma ou de outra se entrelaçam feito dedos em mãos dadas. Há personagens que participam de uma trama e de repente estão de volta dentro de outra. E assim conhecemos como se deu o encontro de dois namorados, a vingança de uma mulher traída, o desgosto da professora forasteira e até – vejam só a sutileza da ironia feita por um português – a brasileira que se irrita com o lugar-comum de que todos os brasileiros são padeiros, valendo nesse último caso destacar o seguinte trecho:
“Esse preconceito desarranjava-lhe o fígado. Acreditar que todos os brasileiros eram padeiros não fazia sentido, seria como se ela, mineira com legitimidade de feijão tropeiro, tivesse achado que todas as brasileiras eram putas apenas porque, em Belo Horizonte, a única portuguesa que conhecia era puta técnica, especialista de carteira assinada.”
Em contraste à eletrizante rotina dos centros urbanos, a qual já não prescinde das respostas instantâneas fornecidas pelas telas de computadores e smartphones, Galveias é um convite ao recolhimento no panorama rural, onde as histórias de cenário bucólico duram um tempo que parece se deslocar lento.
Mas se engana quem preveja simplicidade nesses relatos cotidianos. Nas mãos de José Luis Peixoto qualquer cena comezinha pode ganhar grande sofisticação artística. Aliás, não é exagero considerar sua escrita como um personagem adicional, não raro despertando maior interesse pelo “como” se escreveu do que pelo “o que” se escreveu. É o que já se notava no seu romance anterior Livro, em que palavras, frases e metáforas harmonizam-se numa cadência que arrasta o leitor à contemplação. Nesse aspecto, vale aconselhar a releitura de cada livro de José Luis Peixoto, tamanha a quantidade de recursos idílicos que pululam a cada avanço da leitura. São tantos que uma só leitura não basta para bem aproveitá-los. Em Galveias, por exemplo, não são poucas vezes que nos deparamos com passagens como esta: “abriu a torneira da parede do fundo, um jorro de boa água, gelada como facas acabadas de afiar.” Ou esta: “Repito o teu nome e assisto à delicadeza com que se dilui no silêncio”
Raymond Chandler cravou: “Há escritores que escrevem literatura. Outros só conseguem escrever palavras.” Galveias confirma que José Luis Peixoto pertence ao primeiro time.