Goethe e seu tempo, por Gyögy Lukács

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Goethe e seu tempo, por Gyögy Lukács

No livro Goethe e seu tempo, a editora Boitempo reúne ensaios do filósofo e crítico literário Gyögy Lukács sobre o autor alemão e sua época.

Johann Wolfgang von Goethe

Os sofrimentos do Jovem Werther

Podemos ler Os sofrimentos do Jovem Werther (1774) como uma história de amor, uma trágica história de amor ambientada no século XVIII.

O romance epistolar em que o jovem Werther conta ao amigo Wilhelm a história da sua relação impossível com a bela Charlotte, prometida em casamento para outro homem, ganha um contorno ainda mais sentimental e trágico quando descobrimos que Werther, no final da história, acaba se suicidando com um tiro na cabeça.

A leitura de Lukács do primeiro romance de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, nos releva que o autor alemão envolveu na relação de Werther e Charlotte muito mais do que a consequência fatal de uma infeliz história de amor. Estão ali, também, as contradições inerentes ao casamento burguês, baseado no choque entre amor individual e poder econômico.

As interpretações de Lukács

O conflito amoroso do jovem Werther carrega, segundo György Lukács, as contradições do período pré-revolucionário de uma burguesia prestes a chegar ao poder na grande Revolução Francesa.

À luz desse recorte histórico e com a sensibilidade de um crítico marxista atento aos mínimos detalhes de seu objeto de estudo, Luckács tece sua leitura não apenas de Os sofrimentos do Jovem Werther, mas também de Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister (1796), outro romance de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), da correspondência entre Schiller e Goethe, da teoria schilleriana da literatura moderna e do romance Hipérion, de Hölderlin.

Ao todo, são cinco ensaios de Lukács incluídos no livro da Boitempo, que também contém uma seção de apresentação escrita por Miguel Vedda, prefácio e um dossiê de textos de apoio.

A crítica literária marxista de Lukács

Os ensaios reunidos em Goethe e seu tempo partilham uma característica particular da análise lukácsiana da literatura: a capacidade de ressaltar as preferências estéticas e, sobretudo, as contradições dos valores da sociedade burguesa.

A análise lukácsiana se mostra pouco comprometida com nuances estilísticas ou estruturais. Seu foco é perceber as nuances sociais, históricas e culturais numa obra. A preferência do Lukács por uma literatura realista, capaz de construir cenas que dramatizam e colocam em xeque os valores da sociedade burguesa, pode ser interpretada dentro dessa perspectiva. A literatura torna-se um meio, um instrumento pelo qual podemos conhecer os vícios, ilusões e contradições da sociedade burguesa.

Há quem perceba nesse tipo de crítica uma espécie de reducionismo da literatura a uma mera testemunha dos acontecimentos históricos. Uma testemunha cujo brilhantismo está, simplesmente, na habilidade de expressar os valores, as contradições ou, para usar um termo hegeliano, o “espírito de uma época”.

A crítica literária lukácsiana sobre Goethe partilha de uma perspectiva semelhante à medida em que ela se constrói como uma crítica literária marxista, comprometida em identificar na literatura as contradições histórico-materiais da sociedade burguesa que devem ser superadas.

Uma análise profunda da sociedade

Todavia, a sensibilidade de Lukács e a profundidade de sua crítica nem sequer resvalam na tentativa de reduzir a literatura de Goethe a uma mera testemunha das condições mais visíveis em que a Alemanha se encontrava em sua época.

Lukács revela uma compreensão profunda das forças motrizes e das contradições fundamentais construídas na obra de Goethe que referenciam não apenas o período em que os romances foram escritos, mas também uma ordem social que nos acompanha até os dias atuais.

Para Lukács, Goethe não se limitou a evidenciar os inibidores do desenvolvimento da personalidade humana na sociedade feudal – no caso de Werther, a estratificação das pessoas em estamentos -, mas também evidenciou os inibidores do desenvolvimento da personalidade humana na sociedade burguesa. No caso de Wilhelm Meister, a especialização da divisão capitalista do trabalho que calcifica a personalidade humana.

Iluminismo e Realismo

O jovem Werther e o humanista Wilhelm Meister são personagens que representam o desejo ardente pelos valores da sociedade burguesa em um período anterior à Revolução francesa e, ao mesmo tempo, eles representam a crítica desses valores.

A obra de Goethe, para Lukács, se situa na literatura do Iluminismo europeu pré-revolucionário, mas também preconiza o realismo pós-revolucionário que teria o seu contorno mais bem acabado com as obras de Balzac e Schiller.

Conclusão

Toda literatura carrega as tensões de sua época, e as análises que visam ressaltar essas tensões podem dizer muito sobre os acontecimentos que nos conduziram ao estágio atual como sociedade. Os ensaios reunidos em Goethe e seu tempo têm esse poder.

Ao revelar os problemas da sociedade capitalista que tolhem a formação livre da personalidade humana, tematizadas em Os anos de aprendizado e Os sofrimentos do jovem Werther, Luckács está falando sobre a sociedade atual.

O livro termina com uma seção que mostra os outros trabalhos do Lukács publicados no Brasil e a Biblioteca Lukács, o conjunto de livros publicados pela Boitempo com os ensaios e as críticas do Lukács, disponíveis no site da editora e livrarias do país.

Créditos HL

Esse texto é de Raphael Alves, teve revisão de Evandro Konkel e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.

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