
Em “Guerra do Velho”, John Scalzi mistura ficção científica com ação e bastante humor, o que torna a leitura agradável e divertida.

Ficção científica e terror
Sabe aquele livro que você pegou diversas vezes na estante da livraria, namorou a quarta capa, releu a orelha e o devolveu pensando que no mês seguinte ele estaria em suas mãos, mas no final de tudo, por uma razão boba ou não, você nunca saía com o volume nas mãos? Pois é: estou falando de “Guerra do velho”, do John Scalzi.
Antes de seguir, explico o assunto deste texto: os gêneros ficção científica e terror foram responsáveis diretos por me formarem um leitor, daí meu apego a eles. Sou leitor assíduo de ambos até hoje e os acho imprescindíveis para entendermos o nosso real presente. A ficção científica, porque engana quando diz que está tratando de um futuro distante ou próximo – na verdade, é o presente fantasiado de futuro que está naquelas páginas, e Freud diz que é mais fácil criticar quando não estamos implicados. O terror, pois, conforme André Vianco, o grotesco vem fantasiado de sublime e nos ajuda a entender as possíveis e prováveis faces obscuras de nossa personalidade.
Sobre o autor
John Scalzi, de per si, já é um espetáculo à parte. Palhaço e competente como poucos, posta fotos fazendo caretas, pulando com uma guitarra na mão e até desafiando reinos ditos sérios, como a foto que estampou a capa do “The guardian”.
John Michael Scalzi II (juro que este é o seu nome) é ativista social, já foi presidente da Associação dos escritores de ficção científica e fantasia da América, ganhou um Prêmio Hugo (o Oscar da literatura de ficção científica), tem um gato e é uma das vozes mais ativas e conhecidas da ficção científica mundial.
Sobre a obra
O autor já passou da marca de dez obras publicadas e tem um contrato milionário com a Tor Books, sua editora, de dez anos. Sua obra é composta, claro, de livros de sci-fi e novelas independentes, muitas raspando o suspense – como “Encarcerados”, seu terceiro livro.
Scalzi também assina contos em diversas publicações e revistas temáticas.
O curioso disso tudo é que ele, antes de estourar como escritor, criava guias sobre investimentos financeiros on-line e sobre cinema, dentre outras “distrações”, como tocar ukulele. Mas ele não escreve só sobre coisas ditas sérias: em seu blog, trata de política, economia, gatos, literatura e… bacon, por exemplo. Uma figura!
Guerra do velho
Imagine que, muitos séculos à frente, a espécie humana já alcançou o espaço, colonizou-o e conheceu outras espécies que fazem a mesma coisa. Esse movimento de colonização transformou-se numa guerra, travada nos confins do universo.
O exército terráqueo designado para isso chama-se FCD (Forças Coloniais de Defesa), e é composto exclusivamente por homens e mulheres que completaram 75 anos. Ou seja, você vive sua vida tranquilamente na Terra e, ao fazer 75 anos, tem a opção de se alistar nas FCD e partir para defender sua própria espécie.
Herdeiro de escritores de sci-fi como Robert Heinlein, Scalzi inventou uma boa maneira de sair dessa sinuca de ter um exércitos de safenados, sofrentes e movidos a anti-inflamatórios: ao se alistar, você passa por uma bateria de testes, que incluem uma escanerização completa do funcionamento de sua mente.
Isso tudo é armazenado, pois, depois do treinamento inicial, você é transplantado. O que isso significa? Eles criam um corpo com o seu material genético, só que muito mais jovem (lá pelos vinte anos) e, independentemente de sua condição à época, atlético e forrado de bons músculos. Só que esse corpo está “vazio”, ou seja, não há “ninguém” ali dentro. Até que você passe por um processo que transplanta a sua mente do seu corpo velho e dolorido, de 75 anos, para aquele corpo “zero quilômetro”.
As FCD são compostas desses recrutas.
A narração
Reservei um lugar especial para a narração, pois ela faz parte do encanto dos livros de John Scalzi.
Seu narrador, John Perry, é um viúvo de 75 anos com um senso de humor que beira o da (ótima) série “O método Kominsky”.
Apesar do começo aparentemente sombrio (“No meu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois entrei para o exército”), o leitor é premiado com as ironias, piadas e observações argutas de um homem que, apesar de ter completado 75 anos, mantém um bom humor contagiante.
Apesar de ser um livro de 360 páginas, sua leitura é absolutamente tranquila, mesmo com a obrigação que nós, leitores, temos de compreender algumas tecnologias “inventadas” por Scalzi – afinal, estamos muitos séculos à frente.
A última e melhor notícia é que “Guerra do velho” é o primeiro livro de uma franquia. Em seguida, Scalzi publicou “As brigadas fantasma”, que ainda não li e, prometo, tão logo leia, venho aqui escrever sobre ela.
Créditos Homo Literatus
O texto acima é de autoria de João Peçanha, colaborador fixo do Homo Literatus. A revisão é de Evandro Konkel. A edição é de Nicole Ayres (editora assistente do Homo Literatus).