
Livro de estreia de Hada Maller, A ilha dos sentimentos perdidos, saiu de um projeto de conclusão de curso para chegar à final do mais prestigioso prêmio literário do Brasil.
Um pouco sobre a autora
A paranaense Hada Maller tem apenas 22 anos e surpreendeu a muitas pessoas do mundo literário ao tornar-se finalista de um dos mais importantes prêmios literários do país, o Jabuti de 2022, na categoria “Contos” com o livro A ilha dos sentimentos perdidos.
Nascida em Cascavel (PR), Maller cresceu na cidade de Goioerê, outra cidade de Paraná. Há alguns anos, a autora se mudou para Maringá (PR) no intuito de estudar Comunicação em Multimeios na Universidade Estadual de Maringá.
O livro de contos finalista do Jabuti não foi escrito pensando em um prêmio literário. Na verdade, foi o projeto final de graduação da autora, que tinha o intuito de não só desenvolver uma pesquisa, mas também originar um produto final.
Hada Maller é uma autora independente e teve o seu livro de estreia não só diagramado por ela mesma, mas também financiado por meio de uma campanha na plataforma de crowdfunding Catarse.
Acompanhe a entrevista exclusiva do Homo Literatus para conferir mais detalhes sobre o que diz a autora sobre o seu mais recém-premiado livro de contos.
A ilha dos sentimentos perdidos: uma viagem fantástica por temas essenciais
Hada Maller pontua que o seu livro se configura como literatura fantástica. A ilha dos sentimentos perdidos possui cinco contos, nos quais “as personagens principais são pessoas com deficiência física (PCDs)”. Segundo a autora, a obra “aborda a questão da deficiência e capacitismo”, mas não só. “Temas como assédio, autoritarismo e maternidade também estão presentes nos contos”. Maller ainda ressalta que, embora as narrativas se cruzem, também podem ser lidas separadamente, na ordem que o leitor preferir.
Para o livro, Maller comenta que suas principais referências literárias são Gabriel García Marquez, José Saramago, Isabel Allende, Valter Hugo Mãe, Chimamanda Adichie, Aline Bei, Clarice Lispector, Haruki Murakami e Conceição Evaristo. Fora da literatura, a autora se viu inspirada pela composição de Taylor Swift e pelos estudos botânicos de Peter Wohlleben.
A produção do livro
Como mencionado anteriormente, A ilha dos sentimentos perdidos partiu de um trabalho de conclusão de curso. No entanto, a partir desse trabalho acadêmico, Hada Maller buscou produzir algo relacionado ao capacitismo que, na sua visão, “ainda é um tema pouco abordado nas mídias de modo geral”. Assim, partiu primeiro de uma pesquisa acerca da representatividade dos PCDs na literatura. “Com isso, quis produzir o livro como uma “intervenção” aos péssimos dados que levantei na pesquisa”, conta.
Para escrever, relembra: “Comecei estudando muito sobre a luta PCD, acompanhando vozes da luta e fazendo entrevistas. Tendo as questões que eu queria abordar levantadas, comecei a escrever”. Ao terminar os contos, o material passou não só pela revisão de seu orientador, Thiago Ramari, mas também por uma de suas leitoras-beta, Bruna Barranco.
Hada Maller fez questão de que a ilustradora do livro fosse uma mulher PCD, Paloma Barbosa. A profissional, então, elaborou uma ilustração para a capa e para cada conto. “Pensamos juntas nos conceitos que deveriam aparecer nas artes e ela fez um trabalho sensacional”, relembra.
A finalista do Jabuti, que atua como designer editoral, fez diagramação do projeto. Em seguida, montou a campanha no Catarse, para financiar a obra coletivamente. “A campanha de marketing durou um mês. Quando conseguimos passar do valor necessário, quis fazer um “upgrade” e também convidei o desenhista de mapas Rafa Silva, que fez um mapa que ilustra a Ilha e está presente na edição”, pontua.
O interesse por literatura e escrita
Hada Maller nos conta que sua família sempre incentivou a leitura. Então, desde pequena, tem o hábito de ler. Todavia, “o amor pelos livros veio mais tarde, quando eu comecei a ler livros para pré-adolescentes”, ressalta a autora.
Apesar do incentivo, Maller conta que teve dificuldades, como muitos brasileiros, para ter acesso aos livros e à literatura: “na minha cidade não tinha livraria, então eu precisava esperar minha mãe viajar e trazer para mim”.
A dificuldade, no entanto, não a distanciou da literatura, “por causa disso, comecei a construir minha estante e ter esse carinho não só pelas histórias, mas pelo objeto livro”.
Quanto à sua história com escrita, podemos dizer que começou bem cedo. Ela conta que, por volta dos onze anos, começou a escrever textos sobre seus sentimentos no Tumblr. “Na época, mesmo sendo bobos, tinham um alcance e resposta legal das pessoas”, recorda. Depois disso, Maller decidiu se aventurar em algo um pouco mais desafiador: “dei início a uma webnovela que também tinha um bom engajamento”.
Conforme foi amadurecendo, porém, a autora conta que passou a escrever apenas para ela mesma, publicando ocasionalmente um texto ou outro na plataforma Medium. Foi só a partir da graduação que alcançou uma grande realização: “sempre tinha o sonho de escrever um livro completo e, com a oportunidade do projeto final, pude pôr em prática”.
A indicação ao Jabuti e a repercussão do livro
Hada Maller não imaginava que chegaria ao Jabuti com o projeto de finalização da graduação. Ela conta que se inscreveu no prêmio por indicação do seu orientador Prof. Thiago Ramari.
“Quando ele leu o livro disse que precisava submetê-lo para o prêmio. Eu sempre acompanhei a premiação porque gosto muito de conhecer autores novos brasileiros. Quando submeti, não imaginava que poderia ser considerado pelos jurados por ser uma obra iniciante”, relata a autora.
Antes do Jabuti, o livro não chegava a muitos leitores. Maller menciona que a maioria esmagadora dos leitores eram pessoas conhecidas. “Eu sentia uma barreira muito grande em encontrar leitores novos, porque é difícil dar chances para um autor independente e iniciante”. No entanto, com o prêmio, o cenário mudou e, finalmente, seu livro “conseguiu sair um pouco dessa bolha e novas pessoas começaram a comprar e ler”, conta.
Publicação independente
A autora levanta a bandeira da literatura independente e ressalta que esse tipo de produção também é muito importante. “Infelizmente, o processo de publicação com uma editora pode ser demorado e caro, isso se ainda conseguir entrar no catálogo. A publicação independente permite uma visibilidade até para quem depois quiser algum tipo de destaque com editoras”.
Ainda em relação à barreira enfrentada por ser autora independente, Maller destaca o fato de ser uma mulher adentrando um mercado que ainda é majoritariamente masculino, embora o cenário literário venha mudando.
A respeito disso, a autora defende que “historicamente, poucas mulheres são lembradas quando se fala sobre grandes e clássicos livros brasileiros. Hoje, felizmente, a produção literária feminina está crescendo muito e com muita qualidade”.
Maller faz questão de destacar que a categoria de romance literário do Jabuti deste ano, por exemplo, tem apenas mulheres como finalistas e defende que “São essas novas narrativas e formas de ver o mundo, apresentadas com diversidade, que dão forças para as autoras independentes continuarem”.
Além disso, a autora faz questão de declarar que seu livro de contos, A ilha dos sentimentos perdidos, é uma leitura interessante “tanto para o público PCD, promovendo representatividade na literatura, quanto para pessoas sem deficiência, pois apresenta ideias que não são tão discutidas em diversos espaços”.
A finalista do Jabuti conta também que teve muitos relatos de pessoas “falando que mudaram totalmente sua visão em relação à luta PCD após a leitura do livro”.
Novos projetos literários
A autora não pretende parar no livro de contos. “Continuo escrevendo e penso, sim, em publicar novos projetos, mas ainda não tem nada definido”. Destaque que vai se aventurar no gênero romance e que pretende continuar estudando e se aprofundando na literatura fantástica.
O Prêmio Jabuti revelou seus vencedores e vencedoras no dia 24 de novembro de 2022, às 20h, no Teatro Municipal de São Paulo, na capital paulista.
Créditos HL
A entrevista e o texto é de Estela Lacerda, com colaboração de Nicole Ayres. Ele teve revisão de Raphael Alves e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.
Estela Lacerda é Mestra em Letras, autora do livro de poemas O rio seco que vive em mim (Patuá, 2021), mediadora do Leia Mulheres em Maringá e Head de Social Media.