Jamaicano, negro e gay, Marlon James ganhou um dos prêmios literários mais importantes da língua inglesa, o Man Booker Prize 2015, mas continua ignorado em seu país e vítima de preconceitos.
O encontro com Marlon James é em Bloomsbury na manhã em que completa quarenta e cinco anos, em meio a uma turnê pelo Reino Unido, após a entrega do Man Booker do ano passado (2015) por seu terceiro romance, A Brief History of Seven Killings (em português, algo como: Breve história de sete assassinatos).
Sua conquista vai além do pessoal. É o primeiro ganhador jamaicano nos quarenta e sete anos de história do prêmio. Seu romance, por meio de uma narrativa épica e polifônica, passa-se em um momento famoso da história recente da Jamaica, a tentativa de assassinato de Bob Marley em 1976.
Mas a reação em sua terra natal, disse, tem sido “complicada”. James vive nos Estados Unidos há uma década e ensina escrita criativa e literatura no Macalester College em St. Paul, Minnesota, há oito anos. Sua partida da Jamaica – cresceu em um subúrbio próspero de Kingston – está conectada com sua sexualidade, um assunto que explorou em um ensaio publicado no New York Times, From Jamaica to Minnesota to Myself (em português, algo como: De Jamaica a Minessota a mim), no começo de 2015. De modo que, apesar de seu êxito ter sido comemorado em seu país, explica, para alguns o tema se resumiu em: “Ganhou, mas…”. E ainda que a maioria esteja contente, “outras pessoas dizem ‘ah, o rapaz gay’. E eu não sou um escritor comprometido e suspeito muito dos escritores comprometidos, mas tampouco vivo uma vida falsa.”
Enquanto se discutia sobre sua identidade de jamaicano gay entrevista após entrevista, James se encontrava na posição delicada de “defender o país sem deixar de descer o sarrafo”. Seu êxito, disse, é “algo que os jamaicanos mais abertos podem comemorar sem ambivalências. Eu penso que estes são mais numerosos do que a gente crê. Pensamos que Jamaica é um formigueiro de homofóbicos furiosos dispostos a matar o que se cruze em seu caminho e isso não é certo”. James argumenta que a homofobia na Jamaica é, em sua maior parte, uma ressaca do passado: “Gostamos de pensar que provém da religião, mas não, é vitoriana. Para começar, a lei é vitoriana, inclusive porque chega a supor que as lésbicas não existem; esta ideia de que a homossexualidade é só anal. E há algo muito colonial em como insistimos em conservá-la.”
Insiste que não é um ativista, e não pretende converter-se em um ativista, mas de todos os modos está disposto a expressar-se. E é claro que tem muito para dizer, quando se trata de escritores negros e das expectativas de como se estruturem noções do que “deveriam” escrever. Recorda uma mesa de discussão na qual também participou Roxane Gay, escritora estadunidense descendente de haitianos, na qual a conversa girou em torno do tipo de perguntas que se faz aos escritores negros: “especialmente quando escrevemos sobre violência e atrocidades, coisas negativas, coisas feias que ocorrem, se dá por certo que isso passou conosco, ou conhecemos pessoalmente quem o passou. A ideia de que o escritor negro possa usar a imaginação não ocorre a ninguém.” Da mesma forma, declarou, perguntam-lhe se cresceu em um gueto e, se não, quem sabe isso se liga ao que está escrevendo; a resposta, disse, é que “se precisa talento e imaginação, como qualquer outro escritor”.
O prejuízo alcança as escritoras: “A ideia de que só podem escrever ficção experiencial, algo que se passou com elas, um divórcio ou o que seja, reforça as limitações que temos para mulheres na ficção”. Para os escritores estabelecidos é muito diferente. Como argumenta James, esse escritor pode situar sua obra em qualquer cenário ou período, seja ou não familiar para ele; em poucas palavras, “um escritor branco pode escrever sobre vikings”.
O exemplo não é acidental. A próxima novela de James está situada na África séculos atrás. Afirma que regressará, nos livros futuros, à Jamaica dos anos 70 e 80, ao que ele chama “a história interior de Jamaica”, e que também investigará a diáspora jamaicana. No entanto, disse meio fazendo piada e meio sério, “venho ameaçando escrever um romance de vikings há dez anos.” Como ele mesmo disse, “é raro aprender a ser livre. Soa muito estranho, mas realmente devemos tentá-lo.”
Traduzido e adaptado do Clarín.