A incrível experiência artística de ‘Mosteiros’, de Nathan Sousa

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Mosteiros, quinto livro do escritor piauiense Nathan Sousa, coroa uma trajetória nos versos do autor que é tão competente com as palavras e seus meandros, suas rimas, seu ritmo e suas referências

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Nathan Sousa, autor de ‘Mosteiros’

Em relação ao conjunto dos poemas de Mosteiros (2015), é quase impossível selecionar um ou dois como exemplo do que o livro traz. Ele é tão competente nos seus textos cheios de referências a lugares e artistas que mantém um nível poético elevado a um patamar de que nenhum deles se permite cair. Não há poemas ruins, ou pelo menos, menos interessantes e fortes. A sensação, ao se ler Mosteiros, é a de que o autor debruçou-se em cada um deles para torná-lo ímpar mas, curiosamente, no mesmo nível que todos os outros.

Aliás, a obra dialoga entre si, e além dela. Por exemplo: em “Se valer a pena”, o último verso traz o texto “Nenhum aceno será esquecido”, nome do romance (primeiro), publicado por Nathan neste ano, também pela Penalux, lançando luz a este.

Para além da capacidade inventiva e lírica de Mosteiros, os versos transitam entre lugares do Oriente, seja São Petersbugo, Macau, Japão, Faixa de Gaza ou uma “Pérsia remota”. Este “Mosteiro” é o topos da ascese, dos poemas que se elevam nas metáforas de aves que pontilham toda a obra. Mais do que uma metáfora para a liberdade do voo, esses pássaros falam de transcendência e memória, de uma alteridade genuína, que se constrói, primeiro, a partir do deixar-se de si.

Mosteiros tem, ainda, o sucesso em fazer poesia sem excessos de metapoesia, que se tem verificada como tendência entre os autores contemporâneos. As exceções são bem vindas, como em “Um estranho ímpeto que daqui não sai”: “Escrever é ação premonitória / para vislumbrar o que logo / se apaga / Porém, será que eu existo, aqui, / neste ato de tinta e intimidade?”

Uma característica marcante do livro é a profusão de referências artísticas e intelectuais: Van Gogh, Gaudí, um minotauro, Ícaro, Margherite Duras, Fernando Pessoa, Rilke, Apolo, Dionísio, Blake, Maria Callas, Kafka, Dalí, Narciso, Borges, Don Isidro Parodi, Bioy Casares permeiam os poemas. Saramago e seu Ensaio sobre a cegueira e sua Jangada de pedra também estão no livro, no poema “A janela de Saramago”. Mas sem nenhum pedantismo, como se poderia presumir, e sim trazendo a cada texto lírico um enriquecimento cultural.

As fortes imagens sensoriais dos poemas cativam o leitor mais sensível, como em “Almíscar”:

“tinha um olor delicadamente sufocante, agradável
como terra vegeta; como se o crânio acamado
comprimisse húmus, cujo título não articulava.

perfumar-se era uma ação clandestina; uma missa
hermética e laboriosa, embora estivesse discretamente
despida: os pulsos, a nuca, as orelhas dentro dos cabelos.

involuntário, o olho abatido exige decifração.
o corpo, adverso, oferta, extenuante, novas rotas
de fuga entre o inominável e algumas pistas de
morte.”

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Mosteiros (Penalux, 2015)

É importante dizer que, nesta viagem ao Oriente, ao corpo, às experiências supra-humanas, ao olhar, ao toque, ao recolhimento, o tempo é o que dita tudo. Em “Vincent”, temos: “Não precisarei respirar profundamente para/ demarcar as paredes do tempo/ (este impassível/ tecelão do eterno) […]”.

Por tudo isso, Mosteiros, com sua capa da cor do hábito de monges, marrom, é uma das melhores produções poéticas recentes. O leitor que nele mergulhar tem garantida uma experiência artística relevante.

Os outros livros de Nathan Sousa são: O percurso das horas (2012), No limiar do absurdo (2013), Sobre a transcendência do silêncio (2014) e Um esboço de nudez (2014). Como romancista, estreou este ano com Nenhum aceno será esquecido (Penalux).

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