Sobre como o autor de Madame Bovary, Gustave Flaubert, influenciou o escritor português Eça de Queirós.
Gustave Flaubert (1821-1880) é considerado um dos maiores fundadores da escola realista. Sua obra influenciou muitos escritores de sua época e além. Um dos autores dentre os quais é possível identificar a influência é o português Eça de Queirós (1845- 1900). Sem querer absolutamente desmerecer a qualidade e a originalidade da escrita de Eça, afinal, todo grande escritor tem suas fontes férteis, é impossível negar as semelhanças de estilo e conteúdo entre os dois autores.
Assim como Flaubert, Eça também era bastante crítico da burguesia, das hipocrisias sociais e do caráter humano, só que ainda mais ácido. Isso pode ser percebido em romances como O Crime do Padre Amaro, em que o autor expõe os vícios da igreja católica, A Relíquia, que também aborda crítica religiosa, Os Maias, que mostra a decadência de uma família tradicional burguesa e O Mandarim, conto fantástico que mostra o dilema moral de um homem diante de uma oferta do Diabo.
Outro tema recorrente entre os realistas era a crítica ao Romantismo, porque a maioria dos escritores que assumidamente pertence a uma corrente literária adora apontar as falhas da corrente anterior. Segundo os realistas, os livros românticos destroem a intelectualidade do leitor com suas idealizações, especialmente das mulheres, seu maior público consumidor na época. O fenômeno do bovarismo, originado de Madame Bovary, de Flaubert, está presente em O Primo Basílio, de Eça, assim como a temática do adultério. Luísa, a protagonista, é uma ávida leitora de romances românticos, o que a deixa despreparada para a realidade e a torna presa fácil de aproveitadores como Basílio. Ela também tem o mesmo destino trágico de Emma Bovary. Em outro conto de Eça, intitulado No Moinho, a personagem principal, uma dona de casa humilde, após receber a visita de um parente e se apaixonar por ele, vivendo um curto romance que se consolida em apenas um beijo, ela perde a razão, vira uma sonhadora e também entra em contato com a literatura romântica. O conto tem caráter ainda mais mordaz, pois a mulher passa de dona de casa exemplar a devassa desleixada após certo tempo, com o acúmulo de desilusões.
O curioso é que Eça, apesar de condenar tanto o Romantismo, também possuía seu lado romântico. E nem nesse ponto ele escapa totalmente da influência de Flaubert, que, da mesma forma, não deixava a sensibilidade de lado, o que se observa, por exemplo, na comovente história da empregada Félicité no conto Um Coração Simples. Já no romance A Cidade e as Serras, versão ampliada da história do conto Civilização, de Eça, há certo bucolismo quando o protagonista, entediado com as inovações tecnológicas da cidade grande, acaba descobrindo autêntica felicidade na tranquilidade da região serrana.
Assim, é possível perceber quão inspirador foi o francês Gustave Flaubert para o português Eça de Queirós, o que se reflete em sua obra realista romântica, ao mesmo tempo ácida e sensível.