Intervalo: A dama de 70 – Cláudia de Villar

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A saga continua… Para aqueles que estavam ou ainda estão acompanhando, eis a continuação da saga… Depois dos de 40, 50 e 60, trago hoje os de 70.

Eles resolveram aproveitar o dia que suas esposas estavam reunidas para um chá beneficente para irem passear no centro da cidade. Havia uma pracinha muito bonita que eles conheciam e que tinha alguns espaços para jogos de dama. A pracinha era arborizada, com bancos e um belo jardim florido e perfumado… Bem, assim era a praça, conforme a lembrança de todos. No dia anterior ao dia D, Gumercindo liga para Orides:

– Orides, é amanhã o dia D?

– Sim, amanhã às 8:30 lá naquela mesma pracinha de sempre! – responde Orides.

– O restante do pessoal irá? – pergunta Gumercindo.

– Claro! Eu levo as peças do jogo.

– Ah, tá… O tabuleiro já está lá. Perfeito!

– Eu estou com uma saudade daquela pracinha… Foi lá que eu conheci a Sueli – lembrou Orides da sua falecida esposa.

– Ah… Eu também tenho boas lembranças daquela pracinha… Foi lá que eu conheci a Maria – também lembrou, Gumercindo, de sua (ainda viva) esposa.

– Então, tá… Amanhã na pracinha da Luz?

– Sim, às 8:30 na pracinha da Luz. – respondeu Gumercindo.

Noutro dia, todos os senhores de 70 estavam, no horário combinado, na pracinha da Luz. Após afetuosos abraços e algumas palavras nostálgicas, os de 70 foram para os seus lugares na praça e deram início ao jogo de dama.

Gumercindo e Orides sentaram juntos.

– Orides, cadê as peças? – indagou Gumercindo.

– Que peças?

– As peças do jogo, ora…

– Ah, o jogo… Eu bem me lembro… Eu aqui, de calças arriadas, correndo por entre as árvores. – olhou em torno da praça – Mas aquela ali eu não lembro. Que árvore é aquele, Gumercindo?

– Árvore, que árvore, Orides? Vá logo, pegue as peças do jogo! Vamos começar logo! – falou Gumercindo, ignorando o comentário “calças arriadas”.

– Eu não me lembro daquela árvore ali. E olha que eu conheço todas essas árvores… Costumava namorar atrás dela com a Sueli… Ah, a Sueli, mulher de coxas grossas… – lembrou Orides.

– Chega de falar em árvores e em sua falecida esposa, me dá logo as peças! A hora está passando e daqui a pouco a Maria vem aqui me buscar! – resmungou Gumercindo.

– Maria? Quem é a Maria?!

– Como quem é a Maria? É a minha mulher!

– Ah… Maria… Maria que tinha os peitos fartos! – suspirou Orides.

– Que história é essa de peitos fartos?!

– Ah, Gumercindo, você sabe, o homem chega numa certa época de sua vida que não há mais necessidade de sentir vergonha, de segredos…

Gumercindo, a princípio, pensou que seu amigo de mais de 70 anos, estava delirando, seria Alzheimer? Porém, Orides olhou para a tal árvore ‘nova’ com um brilho nos olhos que…

– Você conheceu a Maria? – Indagou Gumercindo.

– A de peitos fartos?

Gumercindo pensou nos peitos de Maria. Bem, depois de 50 anos de casados os peitos já não eram tão fartos, mas há 50 anos…

– Sim, a de peitos fartos! – quanta saudade daqueles peitos fartos.

– Ah… Maria, que belezura de peitos.

– E como é que você tem a cara de pau de falar essas coisas pra mim?! Depois de 50 anos de amizade?!

– Por isso mesmo, Gumercindo… Se eu te dissesse isso há 50 anos, provavelmente, nós teríamos terminado a nossa amizade!

– Mas ainda está em tempo! – exasperou-se Gumercindo. Era o corno do grupo! Olhou em torno da praça da Luz. Os amigos todos concentrados no jogo de damas. Quem mais sabia da sua condição de traído?

– Eu sei, eu sei, Gumercindo. Sei o que você está pensando, mais ninguém conhece essas árvores como eu conheço. Somente eu é que estive bem pertinho delas.

Gumercindo lembrou-se da história do namoro atrás das árvores. Será que Orides e Maria haviam namorado atrás daquelas árvores?

– Qual delas? – perguntou Gumercindo.

– Ãh? – indagou Orides sem entender a pergunta.

– Atrás de qual dessas árvores você e a minha Maria se afofaram (ele bem se lembrava dos fartos seios de sua Maria)?

– Ah… – Orides olhou para as árvores – Não lembro. Mas, olha só, encontrei as peças do jogo de dama! – exclamou o de 70.

– E quem lá quer saber dessas malditas peças de dama?! Qual delas?!

Orides percebeu que para o seu amigo Gumercindo saber aquela resposta era uma questão de honra! Por isso, passou a olhar com mais atenção as árvores da praça da Luz.

– Não lembro! Simplesmente eu não lembro!

– Ah, não me venha com mentira! Após 50 anos de amizade! Agora eu quero saber a verdade!

– Mas eu já te disse a verdade! Eu e Maria, a de peitos…

– Tá, já chega de falar dos peitos da minha mulher! Eu nunca pensei que você fosse capaz de me trair! E por 50 anos! Chega de jogo pra mim, vou embora!

Nisso, chega a Maria.

Gumercindo lança pra esposa um olhar acusador.

– Como você foi capaz, Maria?!

– Eu? Capaz de quê? – indaga a esposa sem entender nada.

– Você?! Você e o Orides!

Maria olha para Orides.

– Olá, Orides, como vai? Quanto tempo! Éramos tão amigos e…

– Chega de mentira! Pare com essa conversa! Pensam que vão continuar a me enganar?!

– Ah… Aquelas árvores… – suspira Orides, ao voltar a olhar para as árvores.

Gumercindo, fulo da vida, puxa as calças pra cima, dá uma boa tossida e berra:

– Basta de me fazerem de corno!

Nesse instante, todos da praça da Luz olham para ele. Um velhinho de 70, calças lá no umbigo, camisa engomada, cabelos brancos (os que ainda restavam) e se dizendo corno!

– Corno? – indaga Maria – Quem falou isso?! É uma calúnia! Eu nunca te enganei – e começa a chorar.

Gumercindo sente um pouco de pena da esposa.

– A culpa é sua, Orides!

Orides, se sentindo culpado, resolve falar (depois de 50 anos de amizade…)

– Pensando bem… Acho que eu me enganei de peito.

– Se enganou?

– Sim. A sua Maria não é a Maria de peitos fartos.

– Ah… Então vamos continuar a nossa amizade.

Ambos se abraçam.

Maria suspira aliviada. Pronta para mais alguns anos de casada.

Orides olha, novamente, para aquela árvore nova e, sem querer, deixa escapar:

– Ah, lembrei daquela árvore!

Todos vão até a árvore. Nela estava escrito com canivete:

“Maria, a dama do bumbum fofinho”.

Até o nosso próximo Intervalo.

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