Intervalo: Férias de julho: 1/3 – Cláudia de Villar

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Não eram bem umas férias… Era um recesso escolar de cinco dias úteis esmagadinhos entre dois sábados e dois domingos. Mas tudo bem. Poucos são os mortais trabalhadores que podem contar com cinco dias amassadinhos entre dois finais de semana. Cinco dias úteis. Nem mais, nem menos.

Mas vamos iniciar essa historinha que foi dividida em três partes: início, meio e fim. 1, 2 e 3/3. Comecemos então pelo início:

Professora Belém (era assim que Professora Eulália Setembrina Silva de Belém era conhecida naquele grupo escolar) já contava os dias para as suas férias de julho. Sabia que era apenas um recesso de cinco dias esmagadinhos, mas os seus planos para um descanso merecido já estavam sendo planejados. Naquele último dia letivo vieram as cobranças: “Mas como, você não vai viajar novamente?” “Vai morrer dormindo?” “Aproveita a vida, Belém!” E assim por diante. Belém planejara dormir, assistir DVD, ouvir música, tomar um vinho… Cinco dias esmagadinhos. Queria aproveitar para passar seus dias esmagadinhos estreitando os laços de amizade com o seu pijama… Mas não. Surgiram as cobranças: “Vai morrer e não vai aproveitar a vida!” “Deixa pra dormir no caixão!”.

Na manhã seguinte, professora Belém decidiu acatar as sugestões das amigas e partiu em viagem rumo à serra gelada do sul. Fez uma pequena maleta, com poucas roupas e uma máquina fotográfica para registrar seus dias esmagadinhos na serra. Planejava na volta às aulas, montar uma pasta em seu computador com as fotos feitas.

Chegando ao hotel, profe. Belém teve um imprevisto. Sua reserva fora não sabe como, cancelada e teve que dividir o quarto com outra pessoa. A princípio Belém não gostou, mas quem sabe era uma forma de se socializar com mais pessoas?! Porém, essa pessoa tinha mais duas filhas pequenas. Duas criaturinhas mais ou menos da idade de seus alunos. Fazer o quê? O jeito era tentar se adaptar. Logo ao chegar ao quarto, Belém já pode ter uma pequena noção de como seriam os seus dias esmagadinhos:

– Olá, meu nome é Shirley e essas são minhas filhas Paula e Patrícia. Diga oi para a titia, queridas.

– Olá, titia! – cumprimentaram as duas.

Belém disse um oi “chocho”, ela odiava ser chamada de ‘titia’, era uma professora!

– Que frio, não é? Bom para nós. Espero que caia neve. O que você faz? Em que trabalha?

– Sou professora de Língua Portuguesa. – respondeu Belém, orgulhosa em ser uma professora.
Mas por que cargas d’água ela foi dizer aquilo?!

– Professora de Português! Mas quanta sorte a minha! Minhas filhas estão precisando de um reforço em classes gramaticais. Não adiantou Belém dizer que estava em férias. Que queria aproveitar para descansar, que… Shirley foi logo dizendo:

– Filhas, a professora Belém vai poder ajudar vocês!

Por que será que algumas pessoas pensam que professor é professor durante as 24h do dia? Estão sempre perguntando alguma coisa ou analisando a criatura a espera de algum deslize e quando o coitado do professor comete um errinho… Pimba! Mas você não é professor? Tinha que saber isso. Não interessa se você é professor de Português, você tem que saber de todas as capitais do mundo, de todos os rios do planeta, o nome das moedas mais importantes e assim por diante.

Belém resolveu sair do quarto e conhecer a cidade. Ao retornar deu de cara com as meninas alegres e faceiras com cadernos, lápis e borrachas. A dona Shirley havia comprado material escolar para as filhas para o tal reforço de julho. Belém lembrou-se da época em que havia decidido ser professora. Devia ter sido agente funerária. Ninguém solicita os serviços de um agente funerário. Principalmente nas férias.

Tentou dizer que queria dormir, que ensinar não era assim… Precisava de um ambiente mais adequado. Shirley nem deu bola. “Que isso, vocês professores não vivem dizendo que a aprendizagem pode ocorrer em qualquer ambiente?!”

– Vamos, meninas, peguem seus cadernos e tirem suas dúvidas com a titia Belém.

Belém estava a ponto de estourar quando se lembrou dos ensinamentos de sua mãe: “Calma, minha filha. Calma. Tudo passa”. E, dessa forma, decidiu dar algumas aulinhas de Português. Duas horas de seus preciosos dias esmagadinhos. Pelo menos na hora do jantar ela estaria sozinha. Quem dera. A ‘família’ decidiu fazer companhia à titia Belém:

– Olá, Belém! É tão triste comer sozinha. Vamos fazer companhia a você!

Belém engoliu a comida e foi dormir. Noutro dia, na terça-feira, na hora do café da manhã, a ‘família’ decidiu tomar café da manhã unida. Tudo novamente, igualzinho ao jantar. Belém bufou. Quem mandou ouvir as suas colegas? Devia ter ficado em casa, embaixo das cobertas! Com a desculpa de que estava com dor de cabeço, recolheu-se o dia inteiro. E as fotos? Ainda não havia feito nenhuma foto de suas férias de julho.

Mas, para piorar (tudo pode piorar), no dia seguinte, quando estava almoçando sozinha (que alegria), Shirley apareceu pendurada num homem.

– Belém, esse é meu marido. Ele conseguiu tirar uns dias de férias, vai ficar conosco somente até sexta (último dia de férias de Belém). E olha só, ele conseguiu reservar um quarto!

Belém ficou feliz da vida, enfim suas férias iriam começar! Iria ficar sozinha! Fazer as tais fotos para a pasta que planejara em fazer sobre as suas férias de julho!

– Será uma segunda lua de mel! Você, que adora crianças, não vai se importar de continuar com as meninas em seu quarto, enquanto eu e meu marido ficamos noutro quarto sozinhos, não é? Assim, você vai matando a saudade das crianças. Professor sempre sente falta de ter alunos e crianças por perto, não é mesmo?

Bem… Belém nem respondeu. Foi para o seu quarto, arrumou as malas e fechou a conta no hotel. Partir dali era questão de sobrevivência dela, do casal e das crianças. Nem se despediu. A família ficou olhando o táxi partir com a “titia Belém” com os olhos esbugalhados. Ainda bem que Belém não ouviu os últimos comentários sobre ela:

– Nossa, ela parecia tão sensata.

– E eu dividindo um quarto com uma psicopata todo esse tempo!

– Eu já te disse mulher, que você tem que ter mais atenção! E você iria largar nossas filhas com essa doida!

– Professor é tudo assim, são todas umas loucas, histéricas!

– Ficam todas assim de tanto estudar! São umas fanáticas, nunca tiram férias, só querem saber de lecionar, ensinar, exigir, cobrar, reclamar…

– Pra mim isso é falta de… (melhor não continuar).

No táxi, Belém pede ao motorista:

– Por favor, me deixe na cidadezinha mais pacata e deserta aqui por perto que você conheça!

Por fim, o seu último pensamento foi: “Quando eu chegar lá, não direi a ninguém que sou professora! De forma alguma. Direi que sou escritora”.

Aguardem! Semana que vem tem 2/3 de  ‘Férias de julho’.

Até o nosso próximo Intervalo.

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