Atanásio Junqueira Filho era um cidadão pacífico. Calmo de pai e mãe. Tudo aceitava, nada reclamava. Para ele, tudo estava bom. Quando nascera a sua mãe já dissera ao olhar para ele ali, ainda nu: “Ele será Atanásio, para ele a vida será fácil”.
E desta forma, assim crescera Atanásio: o da vida fácil.
– Atanásio, vá buscar a bola que caiu no quintal do vizinho! Pode ser?
– Pode, sim!
– Atanásio, conserte aquele muro ali, depois venha jantar! Pode ser?
– Pode, sim.
– Atanásio, vá ao armazém buscar feijão, arroz, batata, massa, pão, açúcar, café, cebola, alho, pimentão, lentilha, carne, frango, ervilha, margarina, requeijão, azeite, vinagre, creme dental, papel higiênico e tomate.
-Tudo isso, mamãe?
– Ah, tomate não! Está caro!
– Mas trago onde?
– Leve uma sacola, trague tudo na mão. Não pegue condução, tá caro! Pode ser?
– Pode, sim.
E assim vivia Atanásio, o da vida fácil. Certo dia o pai chamou:
– Atanásio, você já está um rapazinho. Está na hora de arrumar uma mulher.
Foram a um bordel: pai e filho.
Os dois entraram, olharam. Atanásio maravilhado ante a expectativa de sua primeira experiência sexual.
– Pegue aquela ali. – disse o pai apontando uma senhora já bem velhinha, gorda, cabelo engordurado, olhos esbugalhados, lábios magros. Pode ser?
– Pode, sim. Aceitou fácil, fácil a sua primeira experiência.
O pai pensou: a mãe estava certa, ele seria um bom menino. Obediente.
O tempo passou.
Atanásio crescera. Já era hora de trabalhar fora.
Foi à procura de emprego.
– Temos vaga de coveiro, pode ser?
– Pode, sim.
E assim ia a vida de Atanásio.
Um dia, Atanásio apaixonou-se.
Queria casar. Tomou coragem e perguntou:
– Quer ser a minha esposa?
– Pode ser. – respondeu a mulher. Era o par perfeito.
Vida de casado não era fácil, dizia a mulher. Mas para Atanásio não reclamava de nada.
– Atanásio! Vá buscar os filhos na escola, dê o almoço, limpe a casa pra mim, dê comida ao cachorro. Pode ser?
– Pode ser.
Atanásio podia tudo: lavava, passava, cozinhava, limpava a casa, abria cova, enterrava cidadão.
A vida não tinha mistério para aquele homem que tudo podia ser.
O tempo continuava a passar e a velhice chegava para Atanásio.
Os filhos foram casando e indo embora. A mulher, envelhecendo ao seu lado e ele continuava aceitando tudo: a vida pobre, a mulher dominadora, o serviço pesado, os amigos da onça…
Tudo. Mas Atanásio nunca teve boca para discordar – aceitava tudo.
Atanásio enterrara a mãe, o pai e dois irmãos, mas nada abalara a vida mansa de Atanásio.
Será que um dia ele iria se rebelar?
Um dia a mulher, já velha, falou:
– To cansada dessa vida. Quero mudar.
-Pode ser. – respondeu Atanásio.
– Quero ir embora.
– Pode ser.
– Quero ir embora sem você.
Nesse dia Atanásio se rebelou! Não queria ficar sozinho! Todos já tinham partido. Só restara a esposa.
Tomou coragem e perguntou (Era a primeira vez na vida que Atanásio fazia uma pergunta. Era a primeira vez que Atanásio se rebelava):
– E eu?!
– Você?!
– Sim e eu?!
A mulher pensa um pouco. Pergunta difícil essa do marido. Nunca ela tinha pensado nele.
Naquele homem. Olhou, pela primeira vez na vida, depois de 50 anos de casados. Era o mesmo Atanásio de sempre. O que aceitava tudo, o que nada reclamava. Mas, pela primeira vez em 50 anos, via o marido perguntar algo. Decidiu responder:
– Ora, vá se olhar no espelho! Você já está velho. Acabado. Está um morto-vivo. Nem devia estar aqui entre nós. Devia estar fazendo companhia aos teus enterrados, lá do cemitério.
Atanásio pensou… Refletiu. Olhou-se no espelho. É, era um velho acabado. A mulher estava certa.
Assinou os papéis da separação. Caminhou até o cemitério. Procurou um lugar pra fazer uma cova. Só tinha um cantinho perto do barranco arenoso. Podia ser ali? Sim, podia. Abriu o buraco.
Olhou para a cova. A sua cova.
A última coisa que Atanásio, o da vida fácil, falou foi:
– Pode ser.
Até o nosso próximo Intervalo.