Martha já estava ficando irritada com tudo aquilo. Ela participava daquele grupo de formandas de 1970 há anos e de uns 40 anos prá cá era sempre a mesma coisa: as amigas falando das brigas que tinham com os seus maridos. Porém, com o tempo, a vida agradável que ela tinha com o esposo estava ficando muito chata. Nas reuniões das formandas de 70 ela quase não falava mais. Iria falar o quê? Ela e o maridão nem brigavam. Primeiramente, passou a pensar que era legal não ter que falar mal do marido, significava que ela tinha um bom casamento, depois passou a divertir-se com as narrações feitas pelas amigas sobre as discussões travadas entre eles e, por fim, começou a irritar-se por não ter o que falar nas reuniões.
Ela até pensou em parar de frequentar aqueles encontros. Inclusive, faltou a dois consecutivos. Mas as amigas ligaram, mandaram e-mails e ela decidiu voltar. Entretanto, o seu sentimento em relação ao grupo continuava o mesmo. Sentia-se afastada de tudo aquilo. Afastada das amigas de 70. Olhava para elas narrando, euforicamente, as brigas vividas em casa com os maridos e ela num canto da sala… Sem nada a dizer.
Martha chegou a pensar em mentir, inventar brigas com o marido, mas desistiu. Lembrou-se que ela não era uma boa mentirosa e que certamente, elas iriam perceber que não era verdade. O que fazer então?! A única solução que veio à cabeça foi aquela e com certeza era o que ela colocaria em prática: decidiu brigar com o marido.
A princípio, passou a não mais esperá-lo, como sempre fazia, com a janta pronta. Ele, depois de 40 anos de casado, certamente iria reclamar, mas apenas falou ao ver a mesa vazia:
– Amor, pelo jeito hoje você teve um dia cheio e deve estar cansada. Vamos sair pra jantar fora. Você merece um descanso.
Como assim? Ele não iria brigar?
Decidiu mudar de tática. Não lavava, passava e nem arrumava mais as roupas dele no roupeiro. Estava tudo sujo, amassado e jogado nas gavetas. Agora ele iria brigar. Mas ele apenas falou ao olhar para aquelas roupas sujas e amassadas:
– Amor, pelo jeito hoje você teve um dia cheio e deve estar cansada. Vamos mandar todas as nossas roupas para a lavanderia. Você merece um descanso.
Como assim? Ele não iria brigar? Quarenta anos de uma rotina sempre igual e ele não iria reclamar de ver tudo mudado de repente?
Precisava ser mais criativa! Resolveu não arrumar mais a casa. Não iria mais limpá-la. Adotou um cachorrinho e deixou-o ‘usar’ a casa à vontade. Agora ele iria brigar. Agora ela iria poder participar da roda de discussões entre as amigas de 70. Mas ele apenas falou ao ver a casa suja e desarrumada:
– Amor, pelo jeito você teve um dia cheio e deve estar cansada. Vamos contratar uma empregada. Você merece um descanso.
Como assim? Ele não iria brigar? Quarenta anos lavando, passando, cozinhando todos os dias e agora ele estava sem tudo aquilo e nada?
Teve mais uma ideia. Não sentaria mais com ele pra ver futebol. Não alcançaria mais a cervejinha gelada pra ele. Nada de petisco em frente à TV. Certamente, aquilo tudo iria irritá-lo muito e ela teria a tão sonhada briga.
Dia de decisão no futebol. Ele já estava lá, sentado em frente à TV. Era agora. Seria tudo ou nada! Mas o primeiro tempo do jogo havia terminado e, mesmo com o time dele perdendo, ele não esboçara nenhuma reação. Quando ela decidiu passar na frente dele ele apenas falou:
– Amor, pelo jeito você teve um dia cheio e deve estar cansada. Vou desligar a TV. Vamos sair pra passear. Você merece sair pra se divertir um pouco.
Como assim? Ele não iria brigar? Quarenta anos assistindo ao jogo de futebol ao lado dele, alcançando a cervejinha gelada, os petiscos e ele nada de reclamar pela falta? Estava perdida.
Não sabia mais o que fazer. Melhor parar de ir às reuniões das formandas de 70. Iria naquela quarta-feira (a última) ao encontro das de 70 e diria que era o fim. Não frequentaria mais as reuniões.
Saiu de casa às pressas. Deixou o marido lá, sozinho. A casa desarrumada, a roupa suja, a cerveja morna, os petiscos por fazer, o cachorrinho deitado no sofá. Saiu de qualquer jeito.
Desarrumada, sem perfume, sem batom, sem ajeitar os cabelos (bem diferente da esposa que havia sido durante aqueles 40 anos de casados). Estava tudo terminado. A última coisa que falou ao marido ao sair para aquele último encontro foi:
– Este será o meu último encontro. Estou cansada!
Foi à reunião das formandas de 70. Comunicou que não iria mais participar. Era o fim.
Voltou pra casa. Decidiu que já era hora de voltar ao normal. Passou no supermercado. Comprou deliciosas guloseimas para fazer um jantarzinho romântico de reconciliação. Comprou perfume novo, lingerie nova. Um bom vinho. Tudo esquematizado para um belo jantar.
Quando chegou em casa encontrou tudo arrumado. Tudo limpo. Jantar prontinho. E um bilhete do marido. Ela já sabia o que iria encontrar naquele bilhete, mas resolveu conferir:
“Amor, pelo jeito você teve 40 anos de cansaço ao meu lado. Você deve estar esgotada. E, antes que você decidisse fazer greve de sexo eu resolvi ir embora com a nova empregada. Pelo que você pode ver, ela lava, passa, cozinha, e faz petiscos maravilhosos. Ela também gosta de assistir futebol. Portanto, penso que você deve continuar a frequentar a reunião das formandas de 70, afinal, fará muito bem para você devido a sua nova situação de ‘largada’ do marido.
Ah… Já ia esquecendo, levei o cachorrinho comigo também, pois o totó afeiçoou-se à Alice (empregada nova). Desta forma, sem precisar cuidar do cãozinho, sobrará mais tempo pra você falar mal de mim nas reuniões com as de 70”.
Até o nosso próximo Intervalo.