Intervalo: Salve, Wesley! – Cláudia de Villar

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Wesley estava feliz com o seu dom: era um compositor e cantor. Tinha uma mente fértil e uma voz solta. Era só pedir para que ele escrevesse algo que já surgia em sua mente várias letras. Os pais achavam o filho um exemplo cultural. Professores elogiavam a facilidade com que ele compunha e cantava. E só.

Sim, só.

Sua vida de compositor e cantor acabava aí. Ninguém queria tocar as músicas que ele compunha. Ninguém. Os amigos até riam da cara dele:

– Um dia, Roberto Carlos irá te descobrir.

– Ah, Maria Bethânia não sabe o que está perdendo.

– Chico Buarque que se cuide. Aí vem você!!!

E assim por diante. Riam. Debochavam.

Certo dia (péssimo dia) ele falou para seu chefe:

– Preciso fazer horas extras. Vá que um dia eu seja chamado para participar de um evento! Aí eu poderei faltar.

– Um evento? Você! Kkkk – Vá sonhando, vá sonhando, Wesley.

Wesley, à medida que o tempo ia passando, ia murchando.

No Fanfão ele ouviu a plateia, enlouquecida, gritar:

– Ah… leque, leque, leque!

E ele olhava para as dezenas de letras criadas em cima da cama. E, simplesmente suspirava.

Noutra noite, num programa de TV viu um grupo de mulheres a cantar:

– Ai, ai… Ui, ui… – com os corpos retorcidos, contorcidos, seja lá o que for, corpos suados, revirados. Alguém prestava atenção na letra? Não, ninguém, mas os corpos eram seguidos com os olhos, imitados nas ruas, nas casas, nas escolas.

E ele, com as suas letras compostas a partir de muito estudo, dedicação, emprenho. Letras criadas a partir de uma análise perfeita de mundo. Letras rebuscadas. Melodias estudadas noites e noites. Madrugadas investidas no estudo, no empenho e para quê?

Afinal, o que havia de errado com as suas letras? Sua melodia? Os professores elogiavam e o povo nem o conhecia. O que o povo queria?

– Eu quero tchu, eu quero tcha, eu quero tcha, tcha, tcha!

A bolsa para a escola de música agora fazia parte dos guardados de gaveta.

Pra que se aprimorar se o povo queria leque, leque?

Pra que se dedicar se o povo queria Conga, Conga, Conga?

Nesse instante, Wesley queria ter nascido em outra época. Em outra realidade.

E o povo? Perdia um grande compositor? Um excelente intérprete?

O povo nem sabia que ele existia. E era isso que fazia Wesley ficar mais triste: nem tinha a chance de ouvir alguém dizer que não gostava de sua música. Quem era Wesley? Ninguém.

Via o povo ir às ruas gritar:

– Queremos igualdade! Queremos justiça! Queremos Educação!

E em seguida, ligar o rádio e cantar:

– Swhgr, swhgrt, dfghjsw!

Cantavam tudo: inglês, japonês, alemão, irlandês, francês, comunidadês, e nada de cantarem uma música dele.

Um dia, Wesley tomou coragem! Fez poupança, gravou a sua música, sozinho. Levou para uma rádio e pediu:

– Toque a minha música!

Riram dele. Debocharam dele. Quem era Wesley? Ninguém.

Triste e amargurado, sem ver uma luz ao fim do túnel, Wesley desistiu de seu sonho.

Sonho era sonho, pensou ele.

Foi pra casa. Pegou tudo que tinha. Toda a sua cultura e jogou fora!

Chega de cultura!

Avante, Brasil!

Onde passa uma dor,

Onde passa um amor,

Onde passa um sonhador,

Não passa uma flor.

Só passam os espinhos

No solo repleto de calor.

Tudo fora. Tudo fora.

Um mês em plena melancolia. Um mês em plena agonia.

Avante, Brasil!

Numa certa tarde, ao voltar do trabalho, escuta na rádio a mais nova música de um jovem cantor produzido pela mídia novelesca:

“Salve, Wesley,!
Onde passa uma dor,
Onde passa um amor,
Onde passa um sonhador,
Não passa uma flor.
Só passam os espinhos
No solo repleto de calor.”

Todos maravilhados com o novo hit novelesco do momento: Salve, Wesley!, cantado pelo cantor midiático.

Wesley, logo reconhece a letra. Percebe que alguém encontrou o seu ‘lixo’ colocado fora.

O lixo que virou luxo.

O que fez Wesley?

Como um bom artista, pensa:

‘Estou sendo ouvido. Tenho um porta-voz!’

E então, você concorda com a atitude de Wesley? Qual é a sua opinião?

Até o nosso próximo Intervalo.

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