Tudo o que sabemos ainda pode nos deixar à deriva – porque ler Detetive à Deriva, terceira seleta de crônicas de Luís Henrique Pellanda
Há detetives entre nós. Andam camuflados e talvez desejem o raciocínio de alguma lenda da literatura policial, querendo adaptar um método da ficção à nossa realidade. Ou talvez não sejam tão aficionados a essa escrita, não se considerem detetives e suas investigações aconteçam por acaso durante o retorno ao lar, uma caminhada prosaica ou uma pausa no terraço.
Um cronista que ande por sua cidade sem querer se torna um detetive, e suas linhas abrigam o catálogo das suas provas. Na seleta de crônicas Detetive à Deriva o curitibano Luís Henrique Pellanda revela suas descobertas, miudezas que às vezes passam despercebidas para muitos que andam ao lado delas e não as notam, porque nunca tiveram motivo e sequer sabiam de sua existência.
É como se descobrisse uma nova Curitiba em meio a essa cidade cinzenta e metida a europeia. A companhia de urubus que moram no terraço do prédio, os anônimos que puxam assunto como se esperassem um momento e uma pessoa com quem falar, os lugares cujos contornos mudam de acordo com uma lembrança, os mundos exteriores e interiores sintetizados por uma frase que o vento absorve por falta de plateia humana, a menos que seja registrada – e a crônica nos serve de evidência, seja ela crível ou não.
Não se trata de maquiar a cidade ou tentar mudar sua cara, é apenas a prática de olhar para o que ela esconde no caminho de sempre. Um ‘sempre’ tão frágil quanto uma certeza e um suposto conhecimento, como se a cidade fizesse questão de derrubar o que julgamos saber sobre ela, nos entregar o que está a nossa frente – e nem sempre vemos – e a gente que se vire.
É um olhar lapidado com a prática da crônica neste terceiro livro de Pellanda dedicado ao gênero, sequência para Nós Passaremos em Branco (2011) e Asa de Sereia (2013), ambos publicados pela Arquipélago Editorial. Algumas características dessas obras continuam aqui, como a linguagem lírica e o diálogo com o leitor sobre a relação com os lugares – a maioria das crônicas se passa em Curitiba, acompanhadas por investigações em Guaratuba.
Relação desenvolvida e reavaliada com o tempo graças as mudanças individuais e as da cidade, como o bairro cuja identidade mudou com o crescimento urbano até aquela em formação, seja a de quem reconhece no texto algo da própria rotina e se pergunta como não tinha visto um detalhe retratado. E também na alcunha ‘o homem com a menina no colo’, usada em publicações anteriores quando a filha do cronista participava do texto e retomada de nova maneira nesta coletânea. São investigações pela cidade às quais somos convidados a participar em busca de novas evidências, e tudo o que sabemos pode, ainda, nos deixar à deriva.