Possivelmente, Elizabeth Bennet não aprovaria atitudes de feministas e expressaria desprezo por qualquer mulher que sentisse necessidade de provar igualdade perante os homens
Os últimos 202 anos fizeram bem a Elizabeth Bennet, célebre heroína de Orgulho e Preconceito, da inglesa Jane Austen. Nenhum leitor contemporâneo terá dificuldade para admitir que a personagem continua tão impetuosa e esperta quanto em 1813, pronta a deixar seus interlocutores sem fala ao menor sinal de mediocridade intelectual — crime que Elizabeth simplesmente não tolerava.
Acredito que se ela pudesse sair e viajar um pouco, agora, em 2015, ficaria impressionada com a quantidade de homens solteiros e de boa fortuna ainda necessitados de esposa, sobretudo se perguntasse às candidatas. Ao que parece, algumas coisas nunca mudam.
De qualquer modo, como é possível que um romance ambientado no campo, no começo do século XIX e com a maior parte de suas cenas passadas durante caminhadas, ou em salas de estar e salões de baile, possa guardar seu fascínio inalterado? Talvez por que definir Orgulho e Preconceito como um romance seja reduzir o livro a quase nada.
Dizer que é uma novela de costumes ajuda pouco, já que, em certa medida, Cinquenta Tons de Cinza também o é; basta trocar os parques e fazendas por vidro e metal e substituir diálogos afiados por chicotes e máscaras (com resultados desanimadores, acrescente-se).
Tentemos outra abordagem: em O Capital no Século XXI, Thomas Piketty afirma que Jane Austen (assim como Balzac) “compreendia os contornos ocultos da riqueza, conhecia os desdobramentos implacáveis na vida desses homens e mulheres, incluindo as consequências para os enlaces matrimoniais, as esperanças pessoais e os infortúnios”.
O economista mais badalado desde Karl Marx arremata de forma brilhante, ao dizer que Jane Austen desnudou “os meandros da desigualdade com um poder evocativo e uma verossimilhança que nenhuma análise teórica ou estatística seria capaz de alcançar“. Eis, finalmente, uma definição viável e digna para Orgulho e Preconceito.
Mas é claro, a dimensão econômica, por si só, é incapaz de justificar a atração exercida por Miss Elizabeth e Mr. Darcy. O relacionamento desses dois sobreviveu à decadência da aristocracia, ao surgimento do feminismo e ao fim do casamento enquanto meio de vida. Nenhuma transformação cultural foi capaz de acabar com o frescor da história que retrata o improvável encontro entre a menina pobre e o nobre cavalheiro.
Uma história de amor, afinal, ainda que enlaçada a um poderoso estudo do caráter humano. Elizabeth é Cinderela, obviamente, mas com preocupações maiores que a perda de um sapato de cristal. E Darcy? Bom, Darcy somos todos nós, hipnotizados pela argúcia e pela impertinência que tornam a protagonista absolutamente irresistível.
Admito que esteja me arriscando, mas tenho a impressão de que Elizabeth Bennet não aprovaria as feministas de ontem e de hoje. Ela expressaria seu desapontamento e desprezo por qualquer mulher que sentisse a mais remota necessidade de provar igualdade perante os homens. Elizabeth Bennet tem boas chances de permanecer relevante por mais 200 anos.
Referência:
PIKETTY, Thomas. O capital no Século XXI. I ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.