“A linguagem despojada de João Antônio caracteriza uma literatura, portanto, franca e rebelde”.
O termo New Journalism designa um movimento cultural de vanguarda originado nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. Escritores e repórteres, como o renomado Truman Capote, buscaram entrelaçar o estilo jornalístico e literário no intuito de causar uma ruptura com a linguagem objetiva e supostamente neutra que circulava nos periódicos da época. O Novo Jornalismo uniu tendências próprias do conto, da reportagem e ficção no intuito de tornar os impressos mais atrativos para um maior número de leitores, bem como humanizar mais os textos.
João Antônio (1937-1993) conseguiu ganhar projeção na imprensa do eixo sudeste por ter ganhado os prêmios de autor revelação e de melhor contista do ano após publicar a obra Malagueta, Perus e Bacanaço (1963). Em um misto de memórias e ficção, o escritor diluiu parte de sua trajetória, a exemplo de cenas da sua infância em um bairro periférico de São Paulo, ao longo desse livro. Entre narrativas sobre o bairro da Liberdade e o cotidiano na Rua Quintino Bocaiúva, temos essa bela passagem: “Dezesseis anos. O ginásio acabado. A boa vida acabada. Precisava trabalhar. Gente pobre, é isto. Bom. Olhei a minha perspectiva e vi que minha vida iria se complicar. Que é que eu sabia fazer? Lutar judô, declinar latim com lerdeza, tipar redações, tentar fotografias em dias de sol? Isto e mais algumas coisas que não resolveriam nada” (p. 29).
A linguagem despojada de João Antônio caracteriza uma literatura, portanto, franca e rebelde. Ainda em Malagueta, Perus e Bacanaço, o autor declama sua simpatia por personagens como mulheres boêmias, donos de bar, engraxates, zeladores de prédio, porteiros, vendedores de amendoim, apostadores de sinuca. O narrador perambula noite adentro pela metrópole paulista ao lado da arraia miúda e picaretas que frequentam bares com mesas de bilhar. É descrito como um sujeito de “cara inchada, olhos inchados, beiços duros. (…) De óculos escuros, ninguém perceberá os olhos inchados” (p. 80). Os contos, entrelaçados com o estilo próprio da autobiografia e da reportagem policial, constituem, nessa obra, um verdadeiro manual de sobrevivência nos subúrbios.
No Brasil, a revista Realidade, lançada em 1966, pelo grupo editorial Abril, foi um dos impressos mais ilustrativos no tocante à versão tupiniquim do Novo Jornalismo. João Antônio foi contratado para trabalhar nesse periódico. Além da incontável produção de crônicas e artigos para revistas como Realidade, Jornal do Brasil, O Globo ou o Diário de Notícias, vale destacar a série de reportagens que realizou intitulada Casa dos Loucos, no Sanatório Muda da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 1976 e a biografia Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977).
Sobre a origem da obra Casa dos Loucos, Carlos Azevedo Filho, no estudo João Antônio: repórter de realidade, publicado pela Editora Ideia, em 2002, esclarece que o escritor decidiu pedir para sua esposa, Marília Andrade, lhe internar no hospício da Muda. Lá o escritor fingia que tomava os remédios que os enfermeiros lhe receitavam e descobriu obras raras de Lima Barreto (1881-1922) em uma biblioteca no sótão do Sanatório. Lima, o conhecido escritor carioca, também foi internado por duas vezes no Hospital Nacional de Alienados, no bairro da Praia Vermelha, no Rio. A partir dessa experiência dramática, Lima Barreto escreveu o Diário de Hospício e O cemitério dos vivos.
É desse contato singular com o pensamento do autor de Recordações do escrivão Isaías Caminha e uma série de entrevistas realizadas com um interno da Muda chamado Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, “homem tido e havido como caduco, maníaco e esclerosado”, que surgiu a biografia Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto. Nóbrega da Cunha tinha sido colega de mesas de bar e conversas literárias de Lima Barreto. Ao prefaciar essa obra, João Antônio afirmou o seguinte: “só é possível dizer que as mais jovens gerações brasileiras estão perdendo muito por não conhecerem o criador de homens que sabiam javanês, de gentes que refletiam – sem postiços – um Rio suburbano, ainda agora, como naquele tempo, esquecido” (p. 14). O que resta a dizer é que, hoje em dia, o próprio autor de Malagueta, Perus e Bacanaço anda também muito silenciado.