João do Rio e a pressa moderna

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João do Rio e suas análises do Rio de Janeiro que tinha pressa para evoluir

João do Rio

João do Rio (1881-1921) foi um importante escritor carioca da belle époque. Ele retrata, em sua produção jornalística e ficcional, um Rio de Janeiro em mutação, que segue o modelo europeu de civilização, com as reformas de Pereira Passos para modernizar a cidade. Ele se interessava tanto pelo mundo luxuoso da elite quanto pela decadência das camadas mais pobres. Seu estilo artificial corresponde ao artificialismo adotado pela própria cidade, ao imitar as grandes metrópoles europeias, o que pode ser percebido na arquitetura e no comportamento dos habitantes. A capital brasileira parece perder sua identidade nessa tentativa de padronização.

Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, que adotou o epíteto de João do Rio foi um flâneur, grande observador da cidade, inspirado por Oscar Wilde, na Inglaterra, e Jean Lorrain, na França. Percorria as ruas do Rio com olhar atento e crítico, percebendo o contraste entre luxo e decadência, evidenciado durante o processo de modernização. Pelo viés crítico e pessimista com que descreve o ambiente urbano, sua escrita pertence ao modelo da decadência, caracterizado justamente pela exposição do lado sombrio da urbanização.

Rio de Janeiro no tempo de João do Rio: para quê ter pressa?

Em suas crônicas, o escritor avalia a mudança de comportamento da sociedade moderna na capital carioca. Além de abordar os grupos marginalizados que foram deixados de lado com o processo de urbanização, como os mendigos, as prostitutas, os presidiários, o cronista considera também as mudanças ocorridas para as classes média e alta. A moral tornou-se mais flexível: em “Modern Girls”, dois amigos, dentro de um café, observam uma senhora acompanhada de suas duas filhas e mais dois rapazes com quem deram uma volta de automóvel; eles discutem como as meninas se deixam seduzir pelos rapazes com automóvel, e a senhora parece compactuar com isso. O homem foi padronizado: sua rotina é mecânica, ordenada por compromissos profissionais e sociais, que não lhe permitem uma atitude espontânea, um momento de lazer, o que se observa em “O dia de um homem em 1920”. E o tempo, enfim, foi acelerado, com transformações como o automóvel (“A era do automóvel”), a fotografia (“Clic! Clac! O fotógrafo”), o cinema (“A revolução dos films”) e a influência da cultura norte-americana.

O ritmo frenético da vida moderna na cidade grande tornou o homem sempre apressado, sem tempo para pensar em seus gestos e decisões. As reflexões de João do Rio acerca da vida urbana moderna permanecem bastante atuais, como se observa na crônica “A pressa de acabar”:

“Hoje, nós somos escravos das horas, dessas senhoras inexoráveis que não cedem nunca, e cortam o dia da gente numa triste migalharia de minutos e segundos. Cada hora é para nós distinta, pessoal, característica, porque cada hora representa para nós o acúmulo de várias coisas que nós temos pressa de acabar.”

As invenções modernas também afetam a percepção do tempo. O passado é rapidamente esquecido, anseia-se somente pelo futuro – fazemos tudo depressa e sem refletir:

“O Automóvel fez-nos ter uma apudorada pena do passado. Agora é correr para a frente. Morre-se depressa para ser esquecido d’ali a momentos; come-se rapidamente sem pensar no que se come; arranja-se a vida depressa, escreve-se, ama-se, goza-se como um raio; pensa-se sem pensar, no amanhã que se pode alcançar agora.”

Se o automóvel já modificou assim a rotina na cidade grande, posteriormente a televisão, a Internet, etc., apenas potencializaram essa ansiedade moderna. Então:

“’Dar tempo ao tempo’ é uma frase feita cujo sentido a sociedade perdeu integralmente. Já nada se faz com tempo. Agora faz-se tudo por falta de tempo. Todas as descobertas de há vinte anos a esta parte tendem a apressar os atos da vida.”

No século XXI, de maneira muito mais intensa, o ritmo frenético prejudica a qualidade de vida do habitante das grandes metrópoles: a avalanche de compromissos profissionais e sociais dá pouco espaço ao aprofundamento das relações e das paixões. Vivemos apressados, como o coelho de Alice, grudado ao relógio, sempre atrasado a um compromisso do qual nem se lembra. E essa tendência João do Rio já havia percebido no início do século XX.

 

Referência:

GOMES, Renato Cordeiro (org). João do Rio / por Renato Cordeiro Gomes. Rio de Janeiro: Agir, 2005.

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