Amós Oz é um conhecido escritor israelense, mas há um detalhe relevante sobre ele: apesar de ter nascido em Israel, não poupa críticas às atitudes de Israel com relação aos palestinos.
Em seu último romance Judas há muitas passagens que evidenciam seu modo de pensar sobre a velha questão entre judeus e palestinos. Shmuel Asch é um jovem universitário tímido, meio desajeitado, que vive na Jerusalém dividida, costuma frequentar reuniões de um grupo de jovens socialistas e esta às voltas com um trabalho de pós-gradução intitulado “Jesus na visão dos Judeus”. Sente-se um tanto deslocado na casa dos pais e quando seu pai vai a falência e sua namorada o deixa e decide se casar com um antigo namorado, ele tranca a matrícula da universidade e resolve partir e procurar isolamento.
Segue então em busca de um anúncio de trabalho que viu afixado na faculdade procurando um jovem para fazer companhia a um senhor idoso com certa dificuldade de locomoção.
Ele é aceito no emprego em uma antiga casa onde vivem apenas o velho Guershom Wald e uma mulher com quase o dobro da idade de Shmuel, Atalia Abravanel, que mais tarde descobre ser sua nora viúva, uma mulher solitária que nunca mais se casou e por quem ele acaba sentindo uma forte atração. Shmuel vai morar no último andar da casa em uma água-furtada. O velho Wald é um professor aposentado, uma pessoa muita culta que gosta de falar horas sobre política, filosofia e religião, e ao passar os dias conversando com ele e descobrindo aos poucos a história daquela família, Shmuel começa a mudar seu ponto de vista sobre algumas coisas.
Os dois costumam discorrer a respeito do tema da pós-graduação de Shmuel sobre Jesus na ótica do povo judeu. Muitos evitam tocar no assunto, já alguns judeus na ânsia de levantar dúvidas sobre a divindade de Jesus e diminuir sua importância, procuram até mesmo difamá-lo. Wald é contra essa linha de pensamento, embora concorde que gostaria de questionar Jesus sobre coisas como “amar à todos o tempo todo”. Mas o que intriga tanto Shmuel quanto Wald são as controvérsias sobre a relação entre Jesus e Judas Iscariotes, algo que já foi referido no evangelho apócrifo de Judas, um manuscrito redigido há cerca de 1.700 anos e que ficou a maior parte do tempo perdido em uma caverna no deserto egípcio. Se Judas não tivesse supostamente traído Jesus e o entregado aos romanos, como seria o cristianismo moderno? Jesus nasceu judeu e não seria sua intenção criar uma nova religião. O fato é que desde então o estigma de “assassinos de Jesus” ajudou a selar o destino do povo judeu em diversos momentos históricos.
Para Wald não nascemos para amar mais do que um punhado de pessoas:
“O amor é um evento íntimo, estranho e cheio de contradições, pois mais de uma vez nós amamos alguém por egoísmo, por cupidez, por desejo físico, por vontade de dominar o amado e subjugá-lo, ou, ao contrário, devido a uma espécie de desejo de ser dominado pelo objeto de nosso amor, e geralmente o amor se parece muito com o ódio e é mais próximo dele do que imagina a maioria das pessoas”.
Wald acha que alguns judeus são tão cheios de ódio que se tivessem o poder e o domínio agiriam da mesma maneira que os cristãos que odeiam Israel.
Ele havia perdido seu único filho assassinado pelos árabes na Guerra da Independência quando foi criado o Estado de Israel. O pai de sua nora já falecido, Shaltiel Abravanel, um intelectual ativista que havia tido antes muitos amigos árabes e era contra a criação do Estado de Israel e contra todos os Estados, acreditava que árabes e judeus pudessem conviver pacificamente e havia exercido certa influência na decisão do genro em se alistar para lutar na Guerra da Independência árabe-israelense. Ele terminou seus dias sozinho, perdera tanto seus amigos árabes quanto seus amigos judeus que o chamavam de traidor. Já Wald, talvez até pelo duro golpe da morte do filho, não era exatamente um cético, mas havia adquirido certa clareza sobre o mundo e os povos. Ele não acredita que o mundo tenha conserto e acha que todos aqueles que até hoje se apresentaram como “consertadores do mundo” o transformaram em rios de sangue. As ideologias políticas se assemelham às religiões ao exigir devoção à seus dogmas, e as religiões por sua vez usam seus dogmas como trunfo quando anseiam o poder político. Ambas podem tornar-se sanguinárias. Wald em suas reflexões costuma dizer:
“O judaísmo e o cristianismo, e também o Islã, destilam todos eles o néctar da graça, da justiça e da compaixão, mas só enquanto não têm nas mãos algemas, grades, poder, porões de tortura e cadafalsos. Todas essas crenças, e mais aquelas que nasceram nas últimas gerações e continuam até hoje a enfeitiçar muitos corações, todas vieram para nos salvar e rapidamente acabaram derramando nosso sangue. Se ao menos um dia desaparecessem do mundo todas as religiões e todas as revoluções, eu lhe digo – todas, até a última delas, sem exceção – vai haver muito menos guerras no mundo”.
Para Wald, Abravanel era um sonhador, e assim como Jesus acreditava no amor universal, mas parece que ninguém entendeu o que ele pretendia:
“(…) não obstante tudo que eu lhe disse antes, felizes os sonhadores, e maldito aquele que lhes abre os olhos. É verdade que os sonhadores não irão nos salvar, nem eles nem seus discípulos, mas sem sonhos e sem sonhadores essa maldição que paira sobre nós seria mil vezes mais pesada. Graças aos sonhadores, nós também, os sóbrios, talvez fiquemos um pouco menos petrificados e desesperançados do que estaríamos sem eles (…)”.