Você já pensou como seriam os nossos escritores preferidos em 2015? Kafka tomaria Whey Protein? E os outros?
Uma foto do Arquivo do El País, onde o escritor tcheco está sentado na areia de uma praia da Dinamarca com seu amigo – e também escritor – Max Brod, mostra um Franz Kafka magricelo e um pouco desmilinguido se comparado ao colega de peito estufado. Caso vivesse em 2015, talvez o autor de A Metamorfose pudesse resolver esse problema com uma academia e um Whey Protein. Mais que isso: talvez Kafka até curtisse a ideia de ficar monstrão.
Mas isso não é possível nem nunca será se levarmos em consideração o apego que temos à estética do anacrônico, se o trio cigarro-café-escrever continuar sendo algo indivisível. No mundo onde nossa miopia enxerga apenas o romântico, não existe um Cortázar que toma hormônio para crescer a barba nem um Schopenhauer que adora poodles com a disposição dos atuais adoradores de gatinhos facebookianos, mesmo que estes dois fatos sejam verdadeiros (ao contrário do Kafka bombadinho). Neste mundo não. Neste mundo, ambos ,Cortázar e Schop, estão sentados em uma escrivaninha com a pena na mão escrevendo sobre coisas importantes do mundo. Ignora-se que ambos foram bem contemporâneos para o seu tempo. Em alguns momentos, até demais.
É um pouco ingênuo deixar de gostar de algo porque este algo não se encaixa dentro de nosso padrão estético preferido. E estou abordando este tema dentro da literatura justamente porque é um ambiente de muita autossabotagem. Afinal, como curtir um filminho vagabundo da Globo se a minha religião o meu padrão pessoa-da-literatura não permite? Temos um pacto perigoso com a estética, que muitas vezes ignora o que realmente importa: os significados. E estes, vocês sabem, podem ser bem restritos e particulares se olharmos de perto. Simplificando: sem estas embalagens nas quais nos envolvemos, por insegurança ou sabe-se lá por qual motivo, seria bem difícil termos gostos por muitas coisas e ao mesmo tempo sermos “coesos”.
Surpreende bastante a porção de jovens escritores fanáticos pelo uniforme de escritor. Acompanhado dele, vem o rechaçamento de um monte de coisa que ganha o título de ruim, vulgar, fraco, sem criatividade, banal e pequeno. Mas só do outro lado. Deste lado aqui tudo é incrível, revolucionário, profundo, revelador e visionário. A lei é nunca tocar e consumir o que existe do lado oposto, mesmo que o muro seja grande o suficiente para impedir que se tenha uma mísera ideia do que é que realmente existe por lá.
Oscar Wilde, vaidoso do jeito que era, provavelmente não desgrudaria do Tinder. E não me admiraria se Hemingway fosse como aquele seu tio, que sobe um álbum de 50 fotos da pescaria do fim de semana. Talvez fosse até um pouco machista nos comentários feitos em algum post dos sites de notícias. Tolkien no videogame; Neruda colocando ‘Guarani-Kaiowa’ no nick de rede social; Machadão numa foto sorrindo ao lado do Tico Santa Cruz; Orwell postando foto todo dia no Instagram; Beauvoir escrevendo ‘uzomi’. E com estes exemplos, bem grosseiros, não quero diluir o valor da beleza que existe no passado, embora eu acredite sinceramente que as obras dos escritores citados até aqui e de muitos outros seriam (quem sabe) até melhores se eles pudessem conhecer a quantidade de elementos, complexidades e cenários que o século XXI vem oferecendo para criarmos histórias. Sobre produzir literatura olhando para o passado ao invés de desfrutar de um presente com potencial criativo já tratei outra vez aqui no Homo Literatus. Desta vez o apelo é diferente. Quer dizer, não muito. Curtir muito a obra e a vida de um escritor é uma coisa. Deixar que as decisões que você supõe que seriam as dele em circunstâncias atuais definam quem você é e quem não deve ser é outra coisa. Frustrante na maioria das vezes.