Literatura brasileira contemporânea é isso, literatura brasileira contemporânea é aquilo outro, literatura brasileira contemporânea é muita coisa, mas, afinal, ela é ruim?
Literatura brasileira contemporânea é ruim. Existem muitas definições para ela, no entanto nenhuma supera essa. Ela é ruim por um ou outro motivo, parece um consenso, mas será que é assim mesmo?
Vamos pensar.
Primeiro se fala de fragmentação, de imitação, da mania de brincar com coisas que já foram feitas. E claro, isso é ruim, dizem.
Então, para início de conversa, isso não é algo novo. Pelo contrário, a paródia e brincadeiras com textos antigos já são feitos há muito tempo. Se quisermos, é só pensar no sem fim de versões d’A canção do exílio, de Gonçalves Dias.
Há quem reclame dessa brincadeira com a própria literatura, argumentando de que isso a faz perder o seu valor enquanto arte. Entretanto, Dom Quixote não seria uma grande troça dos romances de cavalaria?
Logo a questão não é essa.
Outro argumento contra a literatura brasileira contemporânea não mantém o mesmo nível do passado. Logo, ela é ruim.
Esse argumento não é tão simples e passa por um processo que muitas vezes não percebemos.
A literatura brasileira contemporânea obviamente tem um volume maior, pois tem mais meios e formas de publicação, um número bruto (não proporcional) maior de leitores etc. Portanto, temos acesso a mais obras e nesse grupo todo a chance de toparmos com algo não tão bom é grande.
No entanto, há alguns fatores que esquecemos.
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Cânone
O primeiro é o cânone e a seleção que ele faz.
Se o nome Romantismo surgir, provavelmente alguns nomes pipocaram na mente: Álvares de Azevedo, Casemiro de Abreu, Castro Alves, José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo.
O cânone optou por estes nomes e os consagrou, dando-nos a chance de ter o acesso a eles graças ao prestígio que ganharam. Mas outros nomes simplesmente não são lembrados – ao menos que você ou seja professor de literatura ou acadêmico da área.
Manuel de Araújo Porto-Alegre, Gonçalves Magalhães, Sousândrade, Martins Pena, entre outros.
Mesmo daqueles nomes consagrados, tendemos a acessar apenas o melhor deles. Quem leria O forasteiro no lugar de A moreninha? Ou trocaria a leitura de Senhora ou O guarani por O tronco de ipê?
A literatura brasileira contemporânea não passou por esse processo de seleção. Ao contrário do cânone, que nos é entregue pronto, vivemos no olho do furacão. Caso não tenham notado, somos nós quem estamos fazendo essa seleção. Olhar o passado como heroico e melhor é ignorar que ele é uma seleção, não um todo.
Há ainda outra questão mais complexa e que muita gente vai negar: a pré-leitura.
Pré-leitura
Nunca lemos um texto sem antes termos lido algo sobre ele ou ouvido um comentário que seja sobre. Isso traz uma pré-leitura consigo.
No caso da literatura brasileira contemporânea, como ainda está se formando, tendemos a elevar apenas o passado, não falando nada de bom do presente.
Já do cânone, é um sem-fim de elogios para aquelas poucas obras que chegam até nós. Pense na construção que a escola faz com a gente desde pequenos. Machado de Assis é o melhor. Drummond foi o nosso maior poeta. Guimarães Rosa elevou a linguagem. Clarice introduziu o romance psicológico.
(um disclaimer: falar sobre essa pré-leitura não significa que essas obras não sejam boas, e sim que elas já vêm com uma carga de leitura antes de lê-las)
Há uma pressão para que gostemos de muito desses autores brasileiros por vários motivos. Ouse dizer que não gosta de tal autor porque não te agradou – o que pode acontecer. “Você leu errado”, vão dizer. “Não entendeu”.
A literatura brasileira contemporânea, nesse ponto, leva grande desvantagem. Afinal, é difícil competir com todo o peso de um discurso construído durante toda nossa vida. O peso dessa pré-leitura que leva ao cânone é permissivo e muitas vezes ignora problemas que também apontamos nas obras atuais.
Então, literatura brasileira contemporânea é boa?
Nem isso, nem aquilo. Ela é o que é. Tem obras boas, outras maravilhosas, as medianas, as ruins e aquelas que (felizmente) esqueceremos. Esse é o processo.
Não podemos sair elevando a literatura do passado como se ela não tivesse problemas e a atual como se fossem só porcarias. Devemos ler e aproveitar o momento. Afinal, somos nós quem vai escolher os grandes textos da nossa geração.